O PINTOR
Quem pintou o meu retrato
O fez com as cores mais tristes
E escuras que existem...
Caprichou bem no verniz
Ao retratar minhas rugas
E também uma verruga
Bem na ponta do nariz.
Tal pintor, que me conhece,
Na verdade, nunca olhou
Direito para o meu rosto;
Pintou o que fora suposto,
Usou as tintas que tinha
E fez o pior que podia.
Escondeu meu coração,
E as cerdas dos pincéis
Molhou-as com minhas lágrimas.
Traçou variados esboços,
Mas esqueceu dos anfíbios
Que há anos me sufocavam
Bem presos ao meu pescoço...
Quem pintou o meu retrato
Não tinha conhecimento
Da alma do que pintava.
Em uma tela de mágoas
Olhos de ressentimentos,
Usou lentes embaçadas.
Convidou à exposição
Tal refinada plateia,
De vorazes alcateias
Moreias dos negros mares...
Finalmente, desenhou
Um alvo, onde o meu rosto
Deveria ter estado;
Distribuiu muitas setas
Aplaudindo, enquanto o quadro
Estava sendo alvejado.
Quem pintou o meu retrato,
De mim, não sabe de nada...
Se soubesse, pintaria
A poeira da estrada.