Ainda é aurora
O que te fez a vida?
Quão pesada foi a mão do tempo?
que escupiu em tua tez uma franja de amargor
Como pôde o vento soprar tanta sujeira em teu coração?
Como os anos trocaram uma face límpida
alegre e feliz por um semblante caído, pálido e sombrio?
Foram as duras provas da vida quem te recobriu de capas
Capas obscuras e impermeáveis.
Pobre menina que ainda existe aí.
Pobre menina que não consegue mais correr,
por isso aprisionada numa figura triste envelheceu.
Àquela menina de sonhos, assaltada pela dura correção
corrompida por sua fraqueza, não soube revelar-se
Revelar-se não configura rebelar-se, pois,
quem se revela, apresentar-se tal como é.
Quem se rebela, abandona aquilo que um dia se tornou.
Agora veja menina, ainda há tempo para ti.
Ainda tocam valsas, ainda fabricam-se batons
Ainda há janelas
Ainda há escolas
Ainda existem amigas esperando por ti
Desce deste pedestal de amargura
despi-te desta alva de lamentação
vem para fora desta caverna de medos
aqui fora, o sol brilha e os pássaros cantam.
A idade, a maturidade, tudo o mais
são só fatos incontestáveis do tempo
Mas, fora o tempo e seus adereços
fora a dor e suas lembranças
há vida em teus olhos e sorrisos em teus lábios
Descarrega teu coração no próximo porto
despede-te das cargas que transportas pelas décadas
e leve, nua e sóbria segue levitando pelos dias
vai como uma libélula sem pregas e sem mágoas
tua juventude ainda alvora e tua existência ainda é aurora.