ARDOR DE GAÚCHO
Formação de cruzes brancas
cemitério legendário,
por onde o guasca primário
tombou em luta pelo pago.
Hoje resta algum afago
duma saudosa lembrança,
trançada tal qual a trança
da China, por quem me embriago.
Calado, quebrado e mudo
queda-se agora o canhão,
trevas cobrem a amplidão
que foi campo de batalha,
muda, queda-se a metralha
que ensanguentou nossa terra.
Há paz! Já findou a crua guerra
a alegria agora se espalha.
Bravos heróis já tombaram
na Batalha Farroupilha,
ensanguentando a coxilha
com o sangue tão honrado.
Mas, talvez sejam lembrados
na História que ficou.
E eu, quem sou? Clamo, quem sou?
Sou um gaúcho ressuscitado???
Campo imortal de fantasmas
cruzes iguais, todas iguais,
que vão crescendo mais e mais
saciando a sede da morte,
aqui o covarde, ali o forte,
aqui dorme o estranho, ali eu,
ninguém sabe se morreu...
só sei que não teve sorte.
Ninguém se lembra de nada
nem do campo de batalha,
nem do riso da metralha
que tremeu meu corpo inteiro,
ao rugido dum morteiro
que vez de garrucha fazia,
lá na campanha fria, fria
longe do pago altaneiro.
Minh’alma vive ferida...
Nunca sonhou, nem de leve,
com algum carinho breve
pois sou um gaúcho esquecido.
Porém, lutei mui aguerrido
pelos topos das coxilhas,
na Epopeia Farroupilha
qu’êste chão não foi vencido.
Minha mãe, se soubesses que
sua imagem adornei em flores,
és a magia dos cantores
que vivem a te cantar,
e ao seu afeto eu recordar
vi o pago em ponto pequeno,
e vi no seu olhar sereno
um negrito a pastorear.
Já tou capenga mamãe
mas a lonca eu não entrego,
sofro, mas não arrenego
luto com fé, com afago,
de vez em quando, vai um trago
pra o peito macho esquentar,
e novamente avançar...
defendendo nosso pago.
Sentindo de perto o fim
minha voz já se embaraça,
entrego minha carcaça
mas eu vou bem satisfeito,
com alegria neste peito
pois o chão é vencedor,
expulsaram o traidor
pra dar lugar ao direito.
Eu não sei mais o que faço,
minha china, por que choras?
Relembras as buenas horas
que passamos bem juntinhos?
Entre afagos e carinhos
tão felizes, só nós dois...
Mas, veio o destino depois
separar nossos caminhos.
Foi meu sonho derradeiro
beijar-te antes de morrer,
mas eu não pude fazer
já tinha a perna quebrada,
e já na última arrancada
senti um rude guascaço,
novamente marquei passo
beijei a terra ensanguentada...
Eu sei que não volto mais
a rever meu chão querido,
sei que não serei esquecido
pela minha gente amada,
digo com a voz forçada
ó mãe, ó china, aqui encerra,
um causo de sangue, a guerra
não chorem, não resta nada.
Ó minha querida mãe
se voltar a humanidade,
na catança da verdade
exigir que tu lhe mande,
o filho, mesmo que ande
a tropear a Tradição,
por favor, pede a esse irmão
pra que seja do Rio Grande!
Em memória de minha saudosa mãe
Edi Gonçalves de Souza