A dor é um l(i/u)xo.
Dói tanto", gemi. Ninguém me escutou. Sentei ereta na cadeira ao lado da janela. As flores secas, o céu cinza, os pássaros calados. Um minuto de silêncio para minha morte. Um minuto que se estenderia por minha vida. Ainda que a cortina espessa de lágrimas que se formavam em meus olhos, pude avistar na parede branca uma mancha de sangue. O sangue que um dia tu me destes. Rasgaste teu pulso com a unha, e me oferecestes. Chorei. O gosto salgado parecia queimar como o inferno em minha garganta, impedindo-me de emitir aquele grito que tanto sufocava. Era belo. De todo o sofrimento, apenas recordo-me deste pensamento: era belo. Meu penar é sempre bonito, sempre nobre. Sofrimento de poeta de botequim, com um copo de vodca na mesa, e uma medíocre caderneta de contas. Olho-me no espelho, peço um lencinho, sirvo-me um dry martini. De todas as mortes, as partidas, e os fins, só me resta o beleza da dor como memória de cada vida. Tristeza moldada, docemente apelidada de melancolia. Não choro por fome de alimentos, não grito por promessas políticas não cumpridas. Repito, minha dor é nobre. Minha dor é egoísta. Dor de classe média privilegiada. Meu coração chora por fome de afeto, minha alma reproduz ecos de
sentimentos não correspondidos. Tenho a pele marcada pelas olheiras dos malditos poetas insones. Escrevo, fervorosa, inconsciente. Parágrafos e mais paragráfos de quinta categoria. Debruço-me sobre o balcão esperando
a mão afável do barman. Que nunca chega. Atiro-me no chão, encravo as unhas mal cortadas no peito e arranco o coração com as mãos. "Olhem aqui,
olhem que dor bonita, nobre, fascinante. Posso contar-lhes histórias mais interessantes que a vida inteira de vocês apenas com essa dorzinha aqui em minha mão.". Fui assassinada infinitas vezes,reencarno neste pranto indesejado 'infinito vezes para sempre'. Aprendi a lamentar-me em catorze idiomas diferentes. Sei chorar baixinho até debatendo-me contra as paredes. Eu afundo esse meu rosto, marcado por tuas mãos sem respeito, em meu travesseiro e o rasgo com os dentes. Como faria com tua carne se me destes o prazer de mais uma vez encostar teu corpo no meu. Eu atiro xícaras contra o chão, e piso em discos de vinil com meu pés cansados. Eu a respeito. Eu a lisonjeio. Eu honro minha dor. Tu me és o beija-flor, que encanta e vai embora. A dor me visita todos os dias, tal qual o jardineiro de mãos delicadas. Materializo-me em uma frágil e patética tulipa, atrofiada pela raiz.