Pingos
E nessa ponte pênsil em que vivemos
O que é rio e o que é corrimão?
Seria corrente o que quero chamar de calmaria
Ou um simples oscilar entre extremos?
Acho que a dúvida é também uma gota
E por isso, as vezes, somos a gota d'água
Estremeço de novo, vacilo
Durmo sem rezar, abro a porta
Escorrego, ainda meio torto, levanto
Estufo o peito, enxugo a lágrima
Mais gotas d'águas
Há de haver tempero nesse nosso caminhar
Que os dissabores um dia se somes e gerem
Química
Que essa coisa louca de acreditar na vida
Nunca se anule
É questão de nunca parar de remar
Andar sempre com band-aids, sabe
Costurar a vida
Andar com fé eu vou, dizem que não vai falhar
Ainda sou do time dos que, timidamente, vem a calhar
Os que por teimosia pura, ou por mãos fustigadas
Insistem em dar murro em ponta de faca
Sempre amolada, vejo o fio da vida rolar nessas de serra
Afiando sempre as más-línguas
Deixando-me cabisbaixa, amordaçada
Cansei de personificar as escolhas
Contar de uns trevos quaisquer as folhas
Quero mesmo é que o medo incite a coragem
A tristeza abra portas a uma felicidade
Que se cultivem azaleias, antes de pôr as mãos
Na verdadeira flor, rosas de Hiroshima, saudades
Que um dia os velhos gondoleiros de Veneza
Troquem de lugar, por um dia inteiro, fitem
A vida vagar lentamente, nos fios d'água, espelhos da alma
Botem a mão na cabeça, limpem o suor
Gotas de amor
E que eu seja pássaro solitário, o que não migra para Sul
O esquisito mesmo, transgressor
Minhas asas de límpido azul, refletem o céu, o mar, o nu
O mais importante nessa ousadia é cultivar a cada dia
A coragem de crer, o querer voar, se molhar, antes de tudo
Para poder nadar, engolir água do rio, se jogar
É preciso tempestade em copos d'água
Para que se possa transbordar!
Gabriel Amorim 29/05/2014