Um deus em nós
Sonhei que não tinha mais nada
Que pudesse ser amado.
Brigava com os inimigos, matava
Ironicamente e em nome da paz;
Até a própria morte, se fosse capaz.
Desonrava todas as mães do mundo
E as do submundo também,
Vomitava nas sopas paraguaias,
Dançava feito perobo desvairado
Em bailes sertanejos e funk,
Não respeitava o meio nem o inteiro
Ambiente. Desambientado,
Cuspia nas frutas e no mato.
Apedrejava os passarinhos por gosto.
Beliscava todas as crianças...
Tinha os pecados perdoados por homens
Cruéis e assassinos desalmados,
Tinha um rei de duas pernas
Que só andava a cavalo, o cavalo,
Comia a carne dos bebês
Ainda nos ventres maternos;
O seu nome era governo...
Porém, num belo dia, tarde ou noite,
Vi um deus que não tem rosto,
Ele era avesso, esquisito,
Só apostava no oposto.
Ninguém nunca falou dele
Nem mal nem bem, ninguém;
Não está em nenhuma literatura,
Dele, Nietzsche não reclama,
Ele, Freud não explica.
Como ninguém nunca soube dele
Nem os ateus desacreditam,
Os cientistas não o contrariam,
Mas os cristãos duvidavam sempre;
Acreditavam nos autos, nos imóveis;
Nos sermões frenéticos e na sorte.
Mas esse Deus não; não era branco
Ou preto, amarelo, vermelho,
Cafuzo, pardo ou sardento.
Mas era assim como um vento
Que quem não vê não duvida,
Mas quem duvida nunca consegue ver.
O nome dele “amor ao próximo”
Tinha no peito um calor e o perfume da dor...