Pensamento comiserativo

—Uma esmola pelo o amor de Deus!
Pede o mendigo ao cidadão passante.
Um homem tíbio, de olhar distante,
passou tão longe que não percebeu.

E veio um homem fino e elegante.
—Uma esmola pelo o amor de Deus!
Apalpa o bolso como que esqueceu
e segue o seu caminho, confiante...

E veio um padre e nada lhe deu
e um burguês chamou-lhe vagabundo.
Pediu esmola, enfim, pra todo mundo:
—Uma esmola em nome de Deus.

Se ele era ou não um vagabundo
é minha dúvida não dirimida.
Aquele homem, de unhas compridas
e dentes encardidos pelo fumo,

ostentava na perna uma ferida,
qual um troféu à sua probidade;
um riso triste, de dar piedade,
qual um adeus na hora da partida.

A barba branca, a tez envelhecida,
a vasta cabeleira em desalinho;
vazio, descuidado e tão sozinho:
era um produto com data vencida.

—Uma esmola pelo o amor de Deus!
Pede o mendigo ao cidadão pensante,
que olhou... parou... pensou... e hesitante...
tirou algo do bolso e lhe deu.

Dizem que o tal pensante era ateu,
mas Deus abençoou-o nesse instante.
Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 20/02/2014
Reeditado em 20/10/2016
Código do texto: T4699288
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.