Sobre o Velho Chico

“Recordações de um passado distante”

Certa vez, meu pai ao chegar de uma de suas inúmeras viagens ao interior de Minas, a turismo ou a trabalho, trás consigo algo da região visitada: uma carranca do Rio São Francisco. Gostava de valorizar a arte mineira e se interessou pelo inusitado daquele símbolo à primeira vista tão macabro.

Mais tarde, constatei que aquelas cabeças grotescas, geralmente feitas de madeira e por artistas anônimos, barqueiros do rio, eram colocadas na proa de suas embarcações, para afastar os monstros do rio, como o jacaré e o surubim, alguns chegando a atingir 180 cm de comprimento e 70 kg de peso. O desenvolvimento chegou à região e hoje já não existem mais muitas embarcações com carrancas à proa.

Aquele presente de meu pai, se assim posso dizer, ficou por algum tempo em um canto da sala, assustando de alguma forma as crianças e causando arrepios em minha mãe. Mais tarde, aquele espectro de gente com cara de dragão desapareceu. Onde fora parar, ninguém soube dizer. Alguém dera um sumiço nele.

Anos após, fui a Pirapora. Viajei pelo belo rio no Vapor Benjamim Guimarães por uma região de muita indústria e poluição. Poluição esta, do ar, causada pelas chaminés das diversas fábricas de alumínio e ferro, e da água, causada pelos resíduos mal cheirosos da indústria têxtil. Quando cheguei de volta a minha casa, escrevi este poema em homenagem ao querido e velho Chico, tão sacrificado e exigido, haja vista ter agora que transpor suas águas por lugares desconhecidos, para dar vida a comunidades carentes, vítimas da seca.

“Velho Chico”

Ah! Velho Chico!

Que tristeza me dá!

Ver você definhando

Lá pras bandas de lá.

Nasce puro

Brilhante

No sul

Na serra mineira

Vem correndo

Se alargando

Recebendo afluentes

E muita sujeira

Em Pirapora

Que horror!

São doze as usinas,

Gerando certamente

Lucro e emprego

Mas o Velho Chico

Coitado

Sacrificado e

Calado...

Recebe impurezas

Diversas e mal cheirosas

O comandante orgulhoso

À frente do conhecido vapor

Não percebe ou faz de conta

Que os detritos não existem.

Estufa o peito e sorrindo,

Conduz a embarcação,

Que um dia navegou

Pelo Mississípi.

Ignez
Enviado por Ignez em 02/01/2014
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