Sina de menino
Quando a luz materna cegava
Eu fechava os olhos desde cedo,
O dia passava e eu não nascia;
Até que a noite chegou.
Ela era linda e tinha seus encantos;
Saí, como pra comprar cigarros;
Voltar logo; mas descobri o pior.
Tinha que ficar aqui fora...
Até que o dia raiasse tórrido;
Boca sedenta de trabalhador,
Com seus relógios de ponto
E os patrões com a inconsequente
Dolorosa e necessária mais valia,
Produto da preguiça de pensar.
Encontrei seres racionais
Que não usavam a razão pra nada.
Vi u’a multidão caminhando às cegas,
Apalpando o vento com as mãos;
Não enxergava um palmo do nariz.
Atrás dos imensos e insensíveis muros
Viviam outros seres desconfiados;
Eles espreitavam pelas frestas;
Quando saíam das tocas, tinha carros
Tão blindados quanto os seus corações;
Levavam uma sopa azeda e estranha
Para os bairros dos emagrecidos
E julgavam receber a recompensa
Do grande arquiteto universal,
Num espaço de futuro incerto,
Quando a luz que lhes emprestaram
Se apagasse para um novo renascer.
Porém, o que não sabiam é que,
Todas as vezes que fizessem o bem,
Teriam que olhar além do aquém;
Talvez fosse mais fácil beijar alguém.
Os sábios discutiam suas vãs filosofias
E, com o tempo, nada mais fazia sentido;
Procurei voltar para a toca sagrada,
Porém ela estava fechada.
Disseram-me para esperar a hora
Em que a vida desse conta da sina.
Esperei na esquina do destino.
Enfim ela chegou e descasei de novo.
Carlinhos Matogrosso