Conversa de família

Não quero ser conhecido,

Elevado, idolatrado, uma peça exemplificada,

Ramificada em pequenas partições

De servidão coletiva e imortalizada.

Não quero minhas lembranças gritadas

Por bocas em ímpeto de exaltações afiadas,

Pois em silêncio quero ser escutado,

Cercado pelo meu pouco espaço

E pelos meus poucos adorados.

E amarei cada um deles.

Não quero terras e céus

Nem paraísos e infernos,

Quero pisar num cimento fresco

E vê-lo secar e ser eterno.

Não quero construir vidas muitas

Ou destruir existências poucas,

Quero dizer para meu pequeno mundo

Que fui artista e cantei em vozes roucas.

E que fiz meu papel.

Não quero mulheres alvas

Com formas caras e dormentes,

Não quero ver eras glaciais

Ou o esfriar de panelas quentes.

Quero dormir sob uma folha de bananeira

E rabiscar o meu nome nela,

Pois esta, quando morta, será sugada

De volta à vida da terra.

E meu nome irá com ela.

Quero dizer para meus pequeninos,

Filhos de um único amor,

Que seu pai foi um grande esperançoso

Na vida em que pouco se aventurou.

Que nasceu num oceano de flores

E morrerá num de poeira,

Que destroçou o coração da pequena amada

Desfalecendo suas lindas madeixas,

Mas que lhe deu um suave beijo no semblante

E pôde dizer-lhe:

"Amor, era tudo brincadeira".

E que lhe deu o anel da vida inteira.

Oh! E, agora, encontro-me neste hino,

Ditando minhas condições, minhas exigências

Para adentrar-me neste mundo de dependências

Por amores, riquezas e ódio clandestino.

Mãe! Parte de minha alma e de minha emoção!

Tire-me de ti, pois agora estou preparado

Para provar na pele este mundo tão diversificado

Que sempre senti ao bater abrupto de teu coração!

Nos momentos de felicidade e tristeza,

Compartilhei contigo das tuas incertezas

E das tuas mais-que-certezas.

Coloque-me no mundo, mãe!

Pois quero ser vítima da crueldade,

Cometer um crime em cumplicidade

Com o arqui-inimigo da espontaneidade!

Almejo ser mais uma atrocidade

Dos contos que me contavas

No alisar e no afago de tua bondade,

E que, mesmo com o destino,

Estorvo pré-determinado e repentino,

Hei de amar tudo que verei.

— E chega o obstetra na sala.

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Gabriel Coêlho
Enviado por Gabriel Coêlho em 16/12/2013
Reeditado em 24/12/2013
Código do texto: T4613587
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