Conselhos.

CONSELHOS.

Dedicado as minhas Ceres,Anna

Beatriz,Anna Luiza e Anna Virgínia.

Repara filha, que tu és mais aceita,

se estás na beca. Já emperiquitada.

É aparência, mas se estás desfeita,

ficas de lado. Logo és desprezada.

Bom dia seu! Vai de doutor ao bode.

É o tratamento que bem determina

o rumo certo e co'ele tu não podes

errar.. Se segues, à risco, a doutrina

Lembra-te filha! Toda a antiguidade

reclama, e sempre, pela senhoria.

E não importa do cristão a idade..

da intimidade, sempre, desconfia.

Pois veste o lobo a pele do cordeiro

para melhor aproximar-se dele.

Esconde as presas. Bale até. Matreiro!

Depois... Záz! Pronto! Mete os dentes nele.

Faze das normas o teu breviário.

Livro-de-bolso. Bom de cabeceira.

E mais, transforma-as, para o uso diário,

na segurança de um par de perneiras.

Perneiras? Sim! Não vai mudar o assunto

que, nestes versos, o teu pai desdobra.

Onde o teu senso? Pó! Onde o bestunto?

Não vês que estás num bom baile de cobras!

E, quando a gente receia encontrar-se,

com as meninas da língua comprida!

Um par de botas “hay que arranjar-se”

e, se possível, de super medida.

Elas rastejam, silenciosamente!

Porém alertas. Prontas para o bote.

E, quando surgem, encimando a gente!

Para escapar! Meu Deus! Valha-nos sorte.

Cautela, filha! Vê que esta amizade

te finge apenas, mas fingindo, invoca

a céus e mares a jurar lealdade,

mas que anda louca p'ra fazer fofoca.

Fala bem pouco. Se puderes! Nada!

E nem te envolvas com as costureiras,

de língua solta, cortante e afinada,

que, ao menor galho, já são costumeiras,

a dar no pé. No pira... e a cair fora,

enquanto ficas, ba-na-no-sa-men-te..

Por isto, filha, na jogada mora.

Não entra em fria, quem ouve somente.

O mais possível guarda-te. Defesa!

Não dá! Concordo. Vai!! Mas, companheira!

Vai te cuidando, porque, se indefesa,

ficas na quadra.! Vem-te a tchurma inteira:

Mais pô! Qualé! É marcação! Bobeira!

Eu não te disse que ela disse "anssim!"

Ah! Queridinha..., era só brincadeira!

Credo! Esconjuro! Que coisa chinfrim.

E então tu ficas com cara de tacho.

Cara de cusco que lambeu sabão.

E, minha cara! A tua cara embaixo.

“Niveladinha bem à rês do chão.”

Eu exagero! Cuida lá vizinha,

que rimo apenas co'a dura verdade.

E não te guardes destas amiguinhas!

Logo te estrepas. Ficas na saudade.

E, no terreno da competição..!

Aí te digo! Bah! A coisa engrossa!

Dormes no ponto e já acordas no chão.

É um vale-tudo. É uma pauleira! Nossa!!!!

Algumas outras são tão delicadas.

Parecem lírios num igarapé.

Cautela, filha!. Que há minas na estrada...

E água parada às vezes não dá pé.

Mas não te “encuques”... São coisas do mundo,

que ninguém muda. Ninguém muda não,

E a gente, às vezes, se esborracha fundo,

mesmo sabendo, onde as pedras "tão".

Mundo baixeza e que nos envergonha,

mas que enrijece e que nos dá valor

se as malhas vis da infâmia e da peçonha,

ao que, por nobre , emprestamos cor.

Mundo de Neros que estão sempre em cena.

Foi-se o respeito. Foram-se os limites.

E, hoje, o medíocre está, em meio à arena,

a ornejar, buscando quem imite.

Na pretensão insossa de que fala

co'a sensatez de um novo Petronilho.

E, assim, vai sem cor, nem mesmo brilho...

Capacho triste do qual se trescala

fétido olor das almas deste porte.

Tão convencido, que não vê mais nada.

Perdido o rumo pelo aplauso forte

destes sabujos de beira-de-estrada,

que usando, a estro, a bajulice grossa

fazem-no crer, de fulgurante aspecto.

Mesmo que o gajo já mereça e possa

ser, de uma vez: falso, abjeto e infecto.

Faze, do horário, santa obediência.

Dos boletins... Teu pão de cada dia.

Se sais ou entras! Dá logo ciência.

Senão, te enrolas! Entras numa fria!

Cuida que as ordens sejam sempre ouvidas

por mais de uma ou uma em quem confies.

Cuida, também, que sejam transmitidas

a tempo e à hora. E, filha! Não te fies!

Nestas promessas do depois, que a boca,

nunca repete o mesmo trecho. E é certo,

que se não pões, bem cedo, a tua touca,

bem cedo , ca-ram-bo-la-rás..., decerto.

Escreve sempre. Estão aí as penas!.

Pois que o grafado não se perde e fica

a resguardar-te, e a evitar-te as cenas

desagradáveis. Dou-te agora as dicas.

Do fez não fez. Do foi não foi. Do disse.

Nestas questões, nem a razão sustenta

a mão mais fraca .Salvo se o teu disse

esteja escrito. Porque aí se aguenta.

Se leva a ferro! A fogo! E até no grito!

No peito mesmo. Vai-se até às fuças!

Mas, minha cara! Se não há escritos.

Fica na tua, que a coisa está ruça.

Vai com cautela e, em cada novo encontro,

cuida os ouvidos. A língua?...Sumiço!

Cuida da carga e evita o tal desconto,

pois que isto sempre vem causar enguiço.

Todo o respeito no tratar o alheio

e aprende d'arte de viver, a glória

de engolir sapos sem qualquer recheio.

E, aqui, querida, se repete a história...

Nos temas tidos como mui verazes

e encontradiços hodiernamente.

Que assustam, mesmo, queras mais audazes,

que se descuram antes de ir, em frente.

A enfrentar a selva empedernida.

O mundo torpe em seu cotidiano.

E já que, em volta, tudo é vida...Envida

por apreender-me, pois que eu não te engano.

Tu em ti mesma. Já não sei se entendes.

Falo mais claro. Sê tu mesma um túmulo.

E ai! Se tu cedes. Logo te arrependes.

E cedo aprendes, que esta vida é um cúmulo

de vilanias,traições,cinismos.

Onde a verdade é proferida à medo,

que a todos causa o farisaísmo.

- medo à mentira, que é o horror mais tredo-

destas comadres, que de si tão cheias,,

de tudo sabem, menos o que são.

E que vomitam ditos ,a mancheias,

nos quais, nem elas, acreditam não.

Mas vamos lá aos temas, que ainda há pouco,

me referi apenas de passagem.

Aí ,então, já te perguntas. Louco!!!

Ficou meu pai? Perdeu-se na engrenagem?

Há quem capaz do dedo, na balança,

pousar, de leve, sem que alguém o veja,

a retirar, do quilo ,a confiança

ainda que mesmo por dez gramas seja;

há quem capaz de discutir, irado

o troco certo , que alguém lhe deu,

mesmo sabendo, que, dos dois, é o errado,

que a culpa é sua e que o erro é seu;

há quem capaz de se estender em tese,

que desconhece, e com alento e graça.

E mais...Fazendo com o que diz pese ,

e de tal sorte,que lhe rendam praça;

há quem capaz de censurar ,violento

seu subalterno, e por bobeada sua.

Depois, perdoá-lo, quando é seu intento,

mandá-lo, breve, para o olho-da-rua;

há quem capaz de se esquivar da obra,

que é toda sua , e que não urge ajuda

e ainda capaz de, co'aquela manobra,

fazer que alguém, pressuroso, lhe acuda;

há quem capaz de prometer alhures,

mundos e fundos e sobre qualquer coisa,

e não lembrar, quando cobrado, algures,

e ainda jurar sobre uma fria loisa;

há quem capaz de soluçar, dorido

com ais profundos e tão comoventes,

por uma dor que lhe não faz sentido,

por uma dor que, nem de leve, sente;

há quem capaz de fazer com que digam,

que exemplo raro de amor ao trabalho

e assim dizendo muito tempo sigam

a confundir entre o que alius e alho;

há quem capaz de parecer alheio

ao que se transa e ao seu redor se passa,

mas de olho-vivo e já, buscando um meio,

de entrar no bolo e por a mão na massa;

há quem capaz de enaltecer bugio,

ou sacripanta que lhe causa engulhos.

E mais.. Capaz de ao ser chamado em brios,

dobrar a espinha sem ferir o orgulho;

há quem capaz de muito mais. Se há de....

Por isto filha nada de emoção,

que cega à gente p'ra realidade

e faz-nos cegos a voz da razão .

Eu reconheço que carrego as cores.

Que forço um pouco estes meus conceitos

mas. esta é a vida.. Nua e sem pudores.

Lavado o rosto. Cabelos desfeitos.

Mas... Este é o mas aqui da minha história...

Podes vesti-la e dar-lhe cor e brilho.

Mesmo escoimá-la do que é bruto. Escória.

Usando a estro, como a um escardilho,

tua vontade e a intuição, serenas...

O livre-arbítrio e a razão enfim,

p'ra separar o inço das verbenas.

P'ra distinguir o honrado do malsim;

P'ra burilar, na pedra, que, ainda bruta,

intues... oculta, medrosa, um clarão.

Para vencer-te, na escalada abrupta,

que é dominar em ti toda a paixão;

Isto requer de ti muito trabalho

-uma das Leis de ser-se. A condição.

Nele a rota ,o caminho e o malho

com que forjamos nossa evolução.

Trabalho duro. Tão árduo e incessante,

que até parece,as vezes, punição ,

tais as sofrenças , que nos são constantes.

Mas veja bem! Trabalho é o aguilhão,

que impulsiona e nos impele a luta.

O lenitivo de todas as dores.

Conforto e alento, no ardor da disputa,

e o corretivo de todos temores.

Seja qual for o lance teu, querida

tenha os Conselhos, sempre bem a mão.

Não custa nada uma pequena lida,

antes que tomes qualquer decisão.

P'ra. arrematar, que já se esgota, agora,

o tema, a tese e o ponto em digressão.

Dá tempo ao tempo, que p'ra tudo há hora,

e evita, sempre, toda a discussão.

Não falo destas discussões que buscam

equacionar em prol do bem comum,

mas sim daquelas que a razão ofuscam

e que não levam a lugar algum.

O brincalhão que, ao ar, revoluteia,

“está por dentro” , e só quer provocar

a discussão que, quando desnorteia,

abre caminho p'ro quera acampar.

E aí te abaixa!Que vem chumbo-grosso,

num palavrório de fazer corar,

frades-de-pedra ,e isto é só “seu moço”,

o que acompanha.O que vai chegar!!.

Só mais um mate e já com o pé no estribo,

mais uma linha só p'ra suplicar

aos irmãozinhos de estrada ou de tribo

que te acompanhem no jornadear,

pois, garimpando ,nos rios da vida,

tu sentirás o peso da bateia.

Verás, sangrando, por calháus feridas,

as mãos que buscam grãos de luz na areia.

Vô Caburé- jun 1961

Santa Rosa-RS