A Liberdade do Medo.

A liberdade do medo.

Eu não sou Fernando.

Nenhum dos Fernandos.

São tantos os Fernandos.

Poucos os Josés

Muito menos desejo ser Pessoa.

O pessoa de Portugal.

Os Fernandos do Brasil.

O qual deles? São vários.

Talvez desejasse ser Nietzsche.

Até mesmo Saramago.

Schopenhauer ou Feuerbach.

Poderia ser o seminarista.

Do convento do caraça.

Sagan ou Popper.

Por fim, poderia ser um plantador.

De batatas.

Isso seria exuberante.

Pescador em um riacho.

Que coisa fascinante.

Um rezador de terço.

Implorador.

A Vigem Santíssima.

Um caipira ilustre.

Que acredita.

Em mula sem cabeça.

Um contador de causos.

Na Fazenda Serra da Moeda.

Aquele que pensa.

Que as estrelas não morrem.

E que o mundo foi feito por deus.

Tudo muito irracional e certo.

Tantas mitologias.

Eu só sei de uma coisa.

Que tudo isso é mentira.

Prefiro ser torto.

E torto sobre todos os espectros.

Quase como um ababelado.

Para não ser um Fernando.

Aceitaria ser até José.

Aquele que foi vendido para o Egito.

Existem outros Josés.

Que não posso citar o nome.

Mas não é o pai de Jesus.

O que refiro.

É um cabra tupiniquim.

A única coisa que posso revelar.

Ele gosta da Instituição.

Da imaginação.

Coisas deles.

Quanto a mim mesmo.

Sou dividido em várias sínteses.

Cada uma delas é a minha morte.

O desaparecimento gradativo.

Para poder nascer em outros.

E outros.

Consecutivamente para morrer

Incessantemente.

Por isso que não sou nenhum deles.

Nem mesmo a minha pessoa.

No fundo não sou nada.

Absolutamente nada.

Entretanto, elucubro-me.

Sinteticamente a fantasia.

Não tenho sequer ideologia.

Compreendo as coisas.

Marcadamente subjetivas.

Apenas essa etimologia.

Catecúmeno.

Mas sei que o sujeito é apenas a ideia.

Aquela que esconde tudo.

Deturpa e mente.

Pancrácia.

Nenhum de vocês poderá dizer.

Ele é completamente maluco.

Tudo porque tenho a certeza.

Que a causa mater.

Jamais poderia existir.

A partir de uma causa.

A revelação é a incausabilidade.

O segredo da pré-existência.

O infinito apenas.

Muito gelo, sem luz.

Pertransido a química.

A grande verdade é que existe.

Apenas uma grande pastagem.

Também não sou gado.

Tão menos tocador de gado.

Não gosto de rebanho.

Quem toca gado fica gado.

Sou apenas um devorador de livros.

Sem pretensão de ser sábio ou culto.

Gosto muito de Sartre.

Derrida e Feuerbach.

E tantos outros filósofos.

Talvez Karl Marx.

Por que não gostaria de Kant.

Da crítica da Razão Pura.

E acho Einstein um chato.

Por ter errado sua formulação.

Só porque disse que tudo é relativo.

Nenhum fenômeno é relativo.

Uma miríade mnemonizável.

Apenas os paradigmas.

Do seu entendimento.

Não sou seguidor de nenhum deles.

Pois não sou seguidor de mim mesmo.

Não seguir nada, não ser nada.

É o único caminho.

Correto para aproximar da sabedoria.

A sabedoria é apenas.

Uma comparação de sínteses.

Idiossincrática.

E a criação de outras.

Interpretação de todas.

O fantasiar de diversos olhares.

Alguns sem olhar para luz.

Tenho medo de queimar a retina.

Como se fosse ver o sol.

Sou um ser torto.

Essencialmente dividido.

Em partes inúteis.

Outras parcialmente razoáveis.

Embaidas.

Todas as partes incompletas.

Sínteses inteiramente infrutíferas.

Entendo-me como uma candeia medieval

Querendo derramar luz.

Porém, faltando Azeite.

Termino me escondendo.

Nos escombros das crateras.

Exclusivamente platônicas.

Mas gosto de Aristóteles.

Por ele ter dito.

Que Platão era louco.

Mas quem não é um pouco doido.

Não gosto do comportamento.

De cordeiros.

Muito menos tenho a pretensão.

De serem águias.

Afinal não sou político, partidariamente.

Apenas uma lubricidade do acaso.

Como também não sou povo.

Ou pastor de ovelhas.

Sou uma apologia.

Que classifico de gente.

Algo raro e difícil de ser.

Gosto sim de caminhar.

Perdidamente e solitário.

Por um trilho ao meio da floresta.

Estapafúrdio ao silêncio.

Desiludido aos sintomas das trilhas.

Sou o que sou e esse meu ser.

Que não significa absolutamente ser.

Caminho.

Olhando as árvores e todas as coisas.

Que estão na natureza.

Portanto, vejo primeiro a mim mesmo.

Sou um risco de água perdido.

Num horizonte sem água.

Atendo os sinais dos meus pés.

Sobre areia branca.

Acho fascinante esse fenômeno.

Saberete aos signos.

Sento as margens dos trilhos.

Consigo entender perfeitamente.

Um pássaro cantando.

Não sei para que tudo isso.

Seu código de linguagem.

Ensina-me as mais belas lições.

Logomáquicas.

Posteriormente, fico imaginando.

As sombras das nuvens.

Inexcedível ao destino metafórico.

Célere ao caminhar presbiofrênico.

Como os comuns não sabem entender.

O que é a arte.

Admiro profundamente a futilidade.

Sem loquela.

Fútil é tudo, menos o que não existe.

Gosto também de comprar muitos livros.

Costumo ler todos.

Com o tempo são incinerados.

Percebo que eles não servem para nada.

Eu já queimei mais de dois mil livros.

Outros são eternamente sagrados.

Fora dessa prática de ler.

E de queimar livros.

Lepidamente.

Adoro picanha, e, por incrível.

Costumo ler o breviário.

Um velho vício metafísico.

Mesmo sendo ateu.

Tal para satirizar deus.

Ou agradecer aos padres.

Que me ensinaram as irrealidades.

Costumava pilotar uma moto.

De duzentos e cinquenta cilindradas.

Pelos serrados do triangulo mineiro.

Quando era seminarista.

Particularmente na cidade de Itapagipe.

Um velho jipe azul importado da Inglaterra.

Da época do meu avô.

Patina na lama vermelha.

Quando estava de férias.

Gosto também de ser crítico.

Entretanto, percebo.

Apesar de toda literatura que li.

Não consigo ser Fernando.

Nietzsche ou Sartre.

Muito menos ser o seminarista.

Aquele lá do convento do caraça.

Que vivenciou o noviciado.

Mas aconteceu uma descoberta.

Etimológica.

Com a minha pessoa.

Não consigo ser ninguém.

Acho isso perfeitamente bom.

No entanto, no ancípite.

Resolvi ser eu mesmo.

É exatamente isso que não sou.

O que desejei ser.

A metafísica da reminiscência.

E nesse ser eu mesmo.

Tornei-me tantos outros.

Sem lexicografia.

E ao serem os outros.

Deixei de ser e logrei todos eles.

Mas de uma coisa eu sei.

A única talvez.

Que não sou absolutamente nada.

Nem mesmos os outros.

Que estou sendo em síntese.

É o que deixarei brevemente.

Sou apenas igual ao estado da natureza.

Que muda diariamente.

Percebi que essa mudança.

É o estágio do tempo.

Que significa o presente.

Fascinei-me por essa loucura.

Sem léria.

Prostro-me as demais fantasias.

Observação: Esse poema foi escrito há muitos anos na cidade de Petrópolis, uma manhã ao sair da Faculdade de Teologia dos padres franciscano, resolvi voltar ao convento São Vicente em que morava, caminhando pelas ruas da cidade, cada passo que dava parava e elaborava um verso.

Edjar Dias de Vasconcelos.