O MENINO NÃO

Vejo as coisas passando,

Como um vento, um raio, um tufão;

As eras , as feras e as quimeras,

A carne cada vez mais fraca;

Mas o menino não.

Ele vê o tempo da janela,

Vai se esgueirando pela vida,

Atento, atentado e alegre;

Dentro desse imenso quintal

Onde os sonhos brincam

Borboletas, peões, bicicletas,

Bilboquês, ioiôs e papagaios;

Ele pensa passarinho,

Abre a gaiola, ajeita o ninho,

Caminha tigre, arrasta serpente,

Coelhando-se por entre as touceiras;

De uma vida capinzal imensa;

Todos se cansam um dia;

Mas o menino não.

Tem eternas saudades da mãe.

Ainda ontem ficou triste;

Olhou-me longamente do espelho,

Viu que eu tinha um arrepio,

Como um morrer de frio cravado no peito;

Ficou silente, acanhado e sem jeito.

Lindas e sinceras, as lágrimas rolaram;

Saltando como as pororocas sem fim.

E ele pensou aqui dentro: ai de mim...

Tinha uma dor que ele via,

Eu apenas sentia como fogo que ardia.

Achei que homem não chorava...

Mas o menino não.

Quando viu o vermelho em meus olhos

E o prenúncio da tempestade,

Ficou sério, calado e se recolheu.

Fez-me compreender que,

Pior que sentir a dor, é uma dor,

Que não tenha nenhum sentido sentí-la.

Ninguém tem ideia das coisa que choro,

Dos nós na garganta, dos medos,

Dos segredos mais sombrios,

Das gargalhadas irônicas,

E de uma agonia contida apenas

Pela felicidade de viver.

Mas o menino não; o menino não

Carlinhos Matogrosso.

carlinhos matogrosso
Enviado por carlinhos matogrosso em 14/11/2013
Reeditado em 17/11/2013
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