Bem

Há uma terra encantada, onde tudo é mais que pode e menos que tem

Lá, amontoam-se homens bravos, quase escravos, mas de fina polidez

São altos, altivos, parecem pensativos mas, na verdade, são os Homens de Bem

Certo dia por lá passeei e no que vi me encantei, mas se era encanto maligno não sei

Nas ruas homens apenas, a duras penas, laborando centenas de vezes sua fina polidez

Vi as cabeças de duas morenas, suas cadenas, sem ar, num quarto nu, máquina de tear e o resto não sei

Era uma Terra de Bem, com Homens de Bem e Mulheres de Bem, crianças e cães

“Ainda Bem!” Pensei, mas calei, por que a voz me era cara e falar feria sua fina polidez

Numa terra assim, tão encantada, minha voz embaçada, eu embaçado fitando seus capitães

Foi então que olhei pra baixo e, oh! Que descaso! Estava descalço e meus pés eram pretos!

Bem, toda a Terra de Bem me olhava torto e eu, com desconforto, subvertia sua fina polidez

Quem era eu numa Terra tão certa, tão encaixada, tão música clássica, tão soneto?

Bem tinha silos, Bem tinha montes, imperadores bizantinos e carvalhos

Cantores falidos, artistas perdidos, todos iludidos em berrar aos céus sua vã e fina polidez

Silvas, Almeidas, meia dúzia de sobrenomes europeus e muitos, muitos espantalhos

Pensando bem, a Terra do Bem não é tão encantada se olhar bem mais de uma vez

Não é uma ilha, nem promontório, quem dera ilusório, mas nem uma cedilha

Escapa da ira sua. Trapos e panelas duras que me jogaram quando eu questionei sua fina polidez.

Áquila Teófilo
Enviado por Áquila Teófilo em 07/11/2013
Código do texto: T4561416
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