Bem
Há uma terra encantada, onde tudo é mais que pode e menos que tem
Lá, amontoam-se homens bravos, quase escravos, mas de fina polidez
São altos, altivos, parecem pensativos mas, na verdade, são os Homens de Bem
Certo dia por lá passeei e no que vi me encantei, mas se era encanto maligno não sei
Nas ruas homens apenas, a duras penas, laborando centenas de vezes sua fina polidez
Vi as cabeças de duas morenas, suas cadenas, sem ar, num quarto nu, máquina de tear e o resto não sei
Era uma Terra de Bem, com Homens de Bem e Mulheres de Bem, crianças e cães
“Ainda Bem!” Pensei, mas calei, por que a voz me era cara e falar feria sua fina polidez
Numa terra assim, tão encantada, minha voz embaçada, eu embaçado fitando seus capitães
Foi então que olhei pra baixo e, oh! Que descaso! Estava descalço e meus pés eram pretos!
Bem, toda a Terra de Bem me olhava torto e eu, com desconforto, subvertia sua fina polidez
Quem era eu numa Terra tão certa, tão encaixada, tão música clássica, tão soneto?
Bem tinha silos, Bem tinha montes, imperadores bizantinos e carvalhos
Cantores falidos, artistas perdidos, todos iludidos em berrar aos céus sua vã e fina polidez
Silvas, Almeidas, meia dúzia de sobrenomes europeus e muitos, muitos espantalhos
Pensando bem, a Terra do Bem não é tão encantada se olhar bem mais de uma vez
Não é uma ilha, nem promontório, quem dera ilusório, mas nem uma cedilha
Escapa da ira sua. Trapos e panelas duras que me jogaram quando eu questionei sua fina polidez.