DELÍRIO-GRAFITE

Ao pé dum muro caiado

Eu queria estancar toda neve...

Deste planeta em febre.

Que a minha tinta engajada

Tocasse a ferida encruada

De todo projeto de míssel...

Tatuasse o meu sonho impossível:

O cessar de qualquer luta invisível

Das classes, hoje tão confrontadas!

Mas todas de dignidade furtada.

Eu queria emudecer os discursos

Viver não em cima dos muros

Que cercam toda a obsolescência.

Eu queria grafitar em segundos

O intangível que permeia o escuro

De toda e qualquer decadência.

Permear tudo que nos foi retirado

Num grafite do muro caiado

Devolver mesmo a menor consciência.

Eu queria dilacerar a palavra...

Extinguir as minhas reticências

Meu delírio em total permanência.

Dissecar minhas letras embargadas

Dentre as sílabas agonizantes...

Estancar o planeta sangrante.

Que o meu grafite suado

No muro de quem não escreve

Não fosse um desenho bizarrro

Do tudo que aqui já prescreve.

Na essência da justa liberdade,

Grafitar a bem da verdade!

A que todo direito obedece.

Fosse um bicho bem esfomeado

Grafitado no anseio dum brado,

Que a fome perene antecede.

Não nos fosse esse triste destino

Frações dum povo em delírio

Um todo partido...em declínio.

Ao pé dum muro caiado,

O delírio de mais um esfomeado.