Ode a Machado de Assis

Machado, se me lês, ouça.

Não tive ainda tempo de parar o tempo

e ler as tuas folhas como elas merecem.

Com vagar, com método e reflexão.

Que, em verdade, quem quer dialogar

com o elemento eterno

tem que refrear a ambição das horas comerciais,

a velocidade dos taxímetros e tudo mais

que se move do hoje para amanhã

neste mundo fugátil.

Tem de construir um oratório

dentro de uma gruta,

na alameda do elemento eterno,

colocar-se no mesmo nível

e aí, vislumbrante, calado

dialogar com o imutável.

Saiste numa esquecida tarde de outono

do teu escritório, filosofando.

O sol, as árvores, os pássaros

cantando no frescor dos ares

te pareceram dignos de seguir iguais,

eternamente iguais.

E fixaste as notas todas dos pardais

e o abafado rumor de duas mulheres

que vinham descendo a ladeira,

e o aroma fresco das plantas,

segundo te pareceu aparecer isso tudo.

No lugar onde habitas

no reino do apenas imaginável

através do verbo recordar

vives apalpando as tuas memórias;

A Rua do Botafogo já não é a mesma

Da árvore resta o poste.

O bonde passou e trouxe o carro.

As mulheres aposentaram as sombrinhas

e os vestidos compridos e enfeitados

e andam semi-nuas ao amante sol

Amante de todos os seres

até dos lascivos e escusos.

Mas os pássaros, no golfar do momento

de soltar cantigas ao vento

continuam fixando o mesmo som

que lhes dirigiste, outrora, pesado e mudo.

Eles decodificaram a tua língua

e repetem agora os filhos plúveos.

Os teus filhos, Machado, são teus livros

de uma sólida e vasta estirpe.

Trazem gravados um pouco do infinito

que palavreava sob teu crânio

e outro pouco do que

por trás da fala

aí ecoava.

1993