Duas Instâncias Universais

Duas Instâncias Universais

I.

Feroz é o mundo de uivantes garras

Feroz é o mortal e inclemente seu desejo

Apazigua a contenda atroz a rosa do beijo

Mas a beleza sem voz tece suas amarras

No caminho do ente egoísta sempre há escolhos

Pouco ouro, muito ouro, inércia ou ação

Inferno miserável ou doce remanso da canção

Tudo verte dor ante os viciados olhos

O coração puro e o espírito em nobre paz

Eis o relicário que conduz a felicidade

Que borda divã de gozo e de amenidade

E gera amor e abranda o lobo voraz

Mas o mortal quer o ouro, o poder, quer reinar!

Em nome do trono impõe correntes, potestades

Que a todos tem escravos: são as humanidades

Escravas do sistema e vítimas do penar.

Não aprende o juiz e não endireita o réu,

Pasmaceira universal, todos querem se alegrar

Uns na mansão do ostentar, outros a hora a divagar,

Entre um vinho escasso e um pão sem céu.

Mas salva-nos, mantêm-nos a exata medida

Do pouco amor em que voamos em asas

Ele mantém o espírito lúcido entre as brasas

Da luxúria, e os escolhos da terra aguerrida.

Esse amor pelos nossos, dom entre todos grato

Em meio ao gume do ouro e a espuma do suplício

Que cante em tavernas a loucura e o vício.

E afague eloqüente o zelo ao maldito fato.

O homem navega, o oceano é risonho e atroz

Sucedem-se as vagas colorindo o vasto tropel

O pranto é um beco e a alvorada é o mel

Que escorre do mundo qual bandeira sem voz.

Sente o eco da alvorada no coração amante

E bebe o teu cálix de luz e mel de aromas

Ama a tarde, afaga a noite cujas redomas

Ousam anestesiar a cruz do horizonte.

II.

Cavalga ousado os corcéis da aurora!

Bebe o licor da orgia ou ama deveras

Se os mortais não podem senão ser feras

Doma a coxa de mel, o gozo das horas!

Que a bondade seja teu soberano escudo

Mais que o ouro e o poder, ganha a bondade

O felicíssimo conforto que anseia a humanidade

E o grande amor velado que fecunda tudo.

Clama o capitão do amor: Avante! até

Onde nos leve o mar no cais da loucura,

A alma quer luz, a impossibilidade é escura,

E o amor é porto e mar, é onda e é maré.

Avança pelo azul! Singra a rima cadente!

O espaço é amplo, o templo belo, o amor um hino...

Mas oh! Obscura esfera incerta do destino

Que o mortal odeie, cobiçoso e indecente.

Que em meio ao mar haja o escolho, que

Em meio do êxtase haja a convulsão, e até

No melhor um cisco do pior se encontre, é

De pasmar de dor e inquirir o atroz porquê.

Para a felicidade gerada do amor nascido,

O destino do mortal era a enormidade,

Mas quis o monstro cagar na sumidade

E o azul baldar em grades e fatal ouvido.