A ESCURIDÃO
É horrível a completa escuridão,
havia esquecido a sensação.
Enchi o copo de vodca,
deixei cinzeiro e cigarro a mão,
ouvi a velha música nova
que tocava em meu coração
enquanto esvaia o vagalume
no vazio da sombra insólita;
sozinho estou imune ao som.
É bela toda escuridão completa,
o silêncio sobrepõe a razão.
A solidão costumava estar repleta
de vozes, de nomes em vão,
agora não toca minha janela,
não sangra mais meu corrimão,
é só um espelho que revela
a ausência do meu próprio chão;
sozinho estou frágil pro apagão.
É incompleta a escuridão sem ela,
a cegueira se dilui na recordação.
O tempo ausente se exaspera
do momento rude da separação
e se confunde, como quem espera,
um golpe fatal do seu perdão.
A ferida aberta é perpétua,
nada equivale a absolvição;
sozinho estou exíguo à libertação.
É honesta esta ágora no escuro,
os anos matam meu orgulho,
só quero ser de novo teu:
amigo pras horas do muro,
estar de volta ao teu circuito,
deixar pra trás o que sucedeu,
sem você não tem mais mundo
que quando brilha é só no breu;
sem ti em tanto me falta eu!