Dúvida

Davas-me um abraço?

Se no meu esforçado sorriso

Revisses tuas derrotas?

Davas-me um abraço?

Se no meu mumificado semblante

Eu fosse mais preto que o mal?

Davas-me um abraço?

Se esse rogado abraço

Te untasse com o xerume do sal

Davas-me um abraço?

Se minhas rugas

Cheirassem a gemidos de fornicação?

Davas-me um abraço

Se no meu nevado peito

Não sentisses pulsar um coração?

Davas-me um abraço?

Se minhas idosas vestes

Tivessem vincos narrando brigas?

Davas-me um abraço?

Se minha concluída calvície

Desnudasse ingénuas tatuagens?

Davas um abraço?

Se meus petrificados calos

Não lembrassem aconselhadas escolhas?

Davas-me um abraço?

Se minha enrouquecida voz

Não tivesse músicas pra dançar?

Davas-me um abraço?

Se meu tremido tato

Lembrasse amores que verti em desilusão?

Davas-me um abraço?

Se meu ofegante respirar

Cheirasse a interditos rolos de tabacos?

Davas-me um abraço?

Se no fundo do olhar

Enxergasses a finitude da minha gruta?

Davas-me um abraço?

Se minha empobrecida presença

Apenas quisesse um último abraço?

Davas-me? Davas-me?

Este acertado elixir dos homens!

Odibar João Lampeão
Enviado por Odibar João Lampeão em 30/05/2020
Reeditado em 03/08/2020
Código do texto: T6962239
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