Dúvida
Davas-me um abraço?
Se no meu esforçado sorriso
Revisses tuas derrotas?
Davas-me um abraço?
Se no meu mumificado semblante
Eu fosse mais preto que o mal?
Davas-me um abraço?
Se esse rogado abraço
Te untasse com o xerume do sal
Davas-me um abraço?
Se minhas rugas
Cheirassem a gemidos de fornicação?
Davas-me um abraço
Se no meu nevado peito
Não sentisses pulsar um coração?
Davas-me um abraço?
Se minhas idosas vestes
Tivessem vincos narrando brigas?
Davas-me um abraço?
Se minha concluída calvície
Desnudasse ingénuas tatuagens?
Davas um abraço?
Se meus petrificados calos
Não lembrassem aconselhadas escolhas?
Davas-me um abraço?
Se minha enrouquecida voz
Não tivesse músicas pra dançar?
Davas-me um abraço?
Se meu tremido tato
Lembrasse amores que verti em desilusão?
Davas-me um abraço?
Se meu ofegante respirar
Cheirasse a interditos rolos de tabacos?
Davas-me um abraço?
Se no fundo do olhar
Enxergasses a finitude da minha gruta?
Davas-me um abraço?
Se minha empobrecida presença
Apenas quisesse um último abraço?
Davas-me? Davas-me?
Este acertado elixir dos homens!