Janela da vida
Da janela a vida passa
No interior do veículo tudo se amassa
São muitos os homens e as mulheres à caça
Perfis tensos e corpos cansados escondem a carapaça
A vida passa
Em movimento a plebe aparenta estar bebaça
A vida vai estacionando em frente a uma filaça
Vejo homens e mulheres se contorcendo em manifesta trapaça
A vida passa
E, nós, no interior do coletivo, fazemos parte de uma massa
Vejo os olhos atentos da negaça
E o seu seio que arregaça
A vida passa
E passam crianças e adolescentes fazendo arruaça
Sorrisos e lamentos fúnebres pululam na cabaça
E após uma piada muitos acham graça
A vida passa
De janela em janela o mundo ameaça
As enfreadas do coletivo disciplinam os recalcitrantes
E penso como a vida seria antes
A vida passa
De soslaio vejo uma mulheraça
O movimento balança suas ancas
E os seios empinados revelam duas bolas brancas
A vida continua a passar
O coletivo continua rápido a andar
Uns resolvem parar
O motorista a maltratar
De janela em janela a vida passa
Mendigos reclamam da esmola e ficam de pirraça
Mulheres discutem sobre o preço do feijão
E penso como vai andando a dor do meu coração.
A vida passa
E perto da delegacia vejo drogas e um crack com uma bundaça
O tráfico opera
O Estado onera e espera
A vida passa
E lá vai mais um ponto cheio com uma louraça
A banalidade da vida é uma ameaça
E um velho grita e mostra sua carcaça
A vida passa
Escuto uma reclamação de um sindicato que trapaça
Amanhã a vida será complicada
E notei o movimento de uma bela delicada
A vida passa
E as crianças com fome estão na praça
Deus a elas não deu graça
E no enfrear do carro saiu uma fumaça
A vida passa
No remexer dos bolsos vejo o homem ganhando para a cachaça
Levanto e penso em desgraça
Desço rápido e vou remoendo os pensamentos de uma vida inútil repleta de mordaça.