Camarim do Grande Baile

Estou trancado num mundo de marfim

Onde os sorrisos são escassos

E os corações são pobres.

Estou trancafiado num mundo simétrico

Aqui, até os sonhos assumem formas de perfeição

E as pessoas se acham modelos.

Nesses cantos não valem os sentimentos

O dinheiro é capaz de comprar o silêncio

E dobrar quaisquer montanhas.

Todos estão cegos diante das fortunas

E é justamente essa a ruína de todas as vidas.

Me sinto vago nessa perdição

Justo eu, uma leve brisa sob o sol de abril,

Incapaz de transformar as sensações,

Imóvel feito pura rocha.

Tentei me manter vivo, interativo,

Tentei me vestir de terno e hipocrisia

Mas em minha face não cabem máscaras de ceda,

Ou cera, ou seja lá qual for

E agora que estamos embarcados nessa grande jangada

Posso perceber que minhas fantasias se quebraram

Como a simplicidade do vidro,

E a instabilidade de nosso barco

Não deixa outra saída senão encarar a todos com o peito aberto

Antes mesmo de iniciar o grande "baile".

Tentei, juro que tentei digerir minha utopia

Pra poder calmamente, encarar de novo as pessoas e a vida real,

Mas meu corpo já não responde aos meus movimentos;

O mundo externo impõe outras realidades disformes

Que não cabem nem servem para o meu viver.

Me vejo, agora, firme como uma revolução

Como a "ilha", que não se curva

Mesmo sabendo que isso lhe custará a vida.