Pra você (Mim) parte 2

É raiva.

Mas daquelas que vem antes da palavra, que mora no dente rangendo quando não tem comida nem consolo.

É pobreza.

Mas não só do bolso — da alma, do toque, daquilo que nunca chegou.

É fedor.

De um corpo que carrega a mesma roupa que a infância sujou e ninguém lavou desde então.

Se existisse máquina do tempo, eu voltava só pra ajoelhar diante da minha criança e dizer:

“Desculpa. Era você que tinha razão.”

Mas não há máquina.

Há Bíblia, Alcorão, Candomblé, Constituição, manual de autoajuda.

Deus, tem aos montes.

Mas quem ficou comigo naquela noite em silêncio?

Ninguém.

Agora, adulto, eu sou a porra do próprio ritual de autofagia.

Com fome de vida, eu como a mim mesmo.

Parte por parte.

Mas ainda deixo o coração, como último pedaço.

Ele pulsa, não por esperança — mas porque ainda há carne viva.

E cada batida parece perguntar:

“Vai ser hoje que você me devora também?”

Você me pergunta o que fazer.

Beber?

Fumar?

Escrever?

Pedir socorro e ser ignorado mais uma vez?

A verdade, Thiago?

Tudo isso já foi feito.

Todas as rotas já foram percorridas de olhos vendados.

Você já dançou com o diabo em silêncio e chamou de rotina.

Agora, nem a morte te parece solução.

Porque até ela tem fila.

E você carrega essa coisa absurda que é sentir vergonha de querer sumir.

Você tá cansado.

Mas nem sabe do quê.

Talvez da própria tentativa de explicar o cansaço.

Talvez do silêncio dos outros.

Ou talvez — e isso é o mais cruel —

do som da tua própria voz gritando onde ninguém mais mora.

Essas palavras te aliviam?

Talvez.

Mas também te esfregam a cara na merda que tu já conhece de cor.

Essa é a tragédia:

você se escreve pra não desaparecer,

mas cada frase é um epitáfio em tempo real.

E mesmo assim...

você continua.

Porque desistir, Thiago, exige um tipo de paz que nunca te deram.

E viver, por mais maldito que seja, ainda é tua única forma de vingança.