Pra você (Mim)
Dois homens se encontram na beira do esgoto.
Não é metáfora — é estado.
Não é poesia — é carne.
A gente se fala não pra se salvar,
mas pra dizer:
“eu tô aqui também, nessa porra.”
Ninguém quer flor.
Ninguém quer conselho.
Só alguém que reconheça o cheiro da lama,
o gosto de sangue seco na garganta,
a vertigem de existir quando existir é demais.
A conversa não é bonita.
Não tem luz no fim.
Tem estilhaço, tem murmúrio,
tem gente tentando manter a alma junta com fita crepe.
A gente se escreve como quem vomita,
como quem sangra,
como quem sussurra porque gritar já não adianta.
Um diz: “não consigo.”
O outro responde: “eu sei.”
E nessa troca miserável, honesta, doída —
tem algo sagrado.
Sujo, mas sagrado.
Porque quando o mundo pede pressa,
a gente oferece silêncio.
Quando o mundo exige máscara,
a gente se apresenta em carne viva.
Quando o mundo diz “vai melhorar”,
a gente responde:
“talvez piore. Mas tô aqui, fodido também.”
Não tem moral.
Não tem recomeço.
Tem dois corpos tentando não sumir.
Tentando não virar fumaça.
E é aí que mora a beleza:
na verdade que fede,
no afeto que não precisa de cor,
na presença que não quer palco.
A gente se segura no escuro.
Com raiva, com dor, com um fio de voz.
Mas se segura.
Porque só quem já esteve morto por dentro
sabe reconhecer quando outro
ainda respira.
Mesmo que seja só pra dizer:
“eu também.”