Sementes do Impossível

O nascedouro

João nasceu onde o chão é de pedra,

onde o vento se desfaz em silêncios,

e o céu, baixo e inclemente, puxa a alma

como quem arranca a flor de sua raiz.

“O que eu acho não toca no real,”

dizia o menino, com olhos vazios,

como quem sabe do abismo sem entender,

como quem se perde na estrada sem fim.

Na casa de barro, o sol queimava os sonhos,

o tempo corria, mas nunca chegava a lugar algum.

João crescia com as mãos abertas ao vento,

mas suas raízes eram feitas de sombras.

O esforço e o salto

Com os livros, João forjou asas,

tentou voar além dos muros que cercavam seu ser.

"Quero saber o que os outros pensam,"

dizia, como quem deseja beber do rio alheio.

Chegou à cidade como se andasse sobre espinhos,

os olhos da terra natal ainda arderam em sua pele.

A faculdade, com suas promessas distantes,

era um palácio onde ele nunca se sentiu rei.

Cada página lida era uma abertura,

mas o saber parecia sempre escapar,

como areia entre os dedos, o vazio

crescia onde deveria estar o fundamento.

O desterro

João foi um navio sem porto,

perdido em mares de concreto e vidro.

A cidade o via como um espectro,

e ele, sem casa, fugia daquilo que não compreendia.

“Estou em desterro,” murmurava ao vento,

sentado à beira de um abismo de silêncio.

O saber, que antes prometia guarida,

era agora um peso que o mundo não queria.

As perguntas eram estrelas apagadas,

o real se escondia em névoas espessas,

João não sabia para onde ir,

e o caminho se desfazia sob seus pés.

O ciclo da vida

Mas o tempo não perdoa, arrasta os homens,

e João, folha seca, seguiu sua dança.

Teve filhos, teve trabalho, teve medo,

mas o relógio não parava, era uma sombra em movimento.

As perguntas se perderam nas brumas do cotidiano,

o desterro se fez morada, um silêncio sabido.

João aprendeu que, no campo da vida,

o vazio também carrega sementes do impossível.

Agora, João, mais velho e imortal,

sabe que o mundo não tem certezas absolutas.

O real é um espelho trincado,

mas na fragilidade se encontra a essência da forma.

João, no fim, abraçou os cacos do ser,

não mais buscando a perfeição ou o conforto.

E, entre os estalos da vida, descobriu

que o movimento da impermanência é a única verdade.

Aceitou que a vida não é uma estrada reta,

mas um rio de curvas, que se faz e desfaz.

E, no abraço do fluir constante,

encontrou a paz na aceitação daquilo que é.

Erogat C
Enviado por Erogat C em 31/12/2024
Código do texto: T8231139
Classificação de conteúdo: seguro