Estrangeira em Meu Próprio Lar
Sou o fio que desfia na trama,
o nó que sobra sem laço certo.
Entre risos e passos que se entrelaçam,
fico à margem, sempre desperto.
Sou estrangeira na casa em que vivo,
um rosto entre sombras que não se revela.
Às vezes penso que sou o eco
de uma voz que nunca se sela.
Olhares que nunca me alcançam,
palavras que escorrem ao chão.
Sou o detalhe, o peso, o cansaço,
sempre fora da composição.
À mesa, sou canto vazio,
no passeio, o passo em falso.
Mesmo sem querer, sou o incômodo,
o espinho que ninguém escolheu.
Se sou o motivo do cansaço,
do olhar que desvia, do suspiro fundo,
por que não me deixo em silêncio?
Sou o intruso no próprio mundo.
Por que minha presença se torna o peso,
na leveza de outros sorrisos?
Por que me sinto como intrusa,
nesse amor que parece preciso?
Eu queria ser o laço perfeito,
a linha que une, o abraço que fica.
Mas me sinto sempre sobrando,
como folha solta na brisa.
Quando saímos juntos, sou vento contrário,
sou o tropeço que quebra o compasso.
Mesmo sem querer, sou o fardo,
o fio que não cabe no laço.
Mesmo assim, procuro meu norte,
um canto seguro para existir.
Sou o silêncio que busca sentido,
sou meu próprio começo e porvir.