Água faceira
Deslizou de ribanceira, a água tímida e doída, de quedas e faceira.
Fio molhado e pedras lisas.
Descambou por entre as fendas, rochas e fundos de poços.
De preguiça, calma e lentidão, cortou os vales, os montes, beijou discreto o rio guloso.
Levou as turvas, miúdas e pedriscos, os tocos, o oco, o pau que boiava, ermo.
Cresceu o menino e riacho, o pescador, o ribeira, o volume que outrora, encarcerado.
Brincou a criança, pescou o ancião, a moça feia se banhou.
Seca o sol a pedra fria, banha as rochas, a água morna.
Os florais e as raízes, o barranco que bebeu, a água doce da terra.
E assim, floresce o campal bem cansado, ensopa as falhas, o terrão tão tórrido.
Grutas e grotões se embebedam, correm gotículas e vidas.
Não bem distante, enquanto secam se almas, e homens, vis, arrogantes, o riacho permanece.
E as águas de outrora, miúdas, corridas, discretas, se crescem.
Beijam se, sem sensura, o caldo que tão mistura, caudalosa água de mar.
Sob o sol e as correntes, as ondas fazem amor.
Na fecundação e vapor, no calor da água e gotejos, dorme em nuvens, a chuva de amanhã.
Deslizou de ribanceira...
João Francisco da Cruz