Secura
Rio Amazonas, Gurupá, perto da ilha Surubim, 29 de outubro de 2023.
Há uma secura no ar
Algo que magoa a garganta da gente
Algo que impede grelar semente
É fumaça, labareda dos ímpios que plantam e não colhem feijão
Apenas cifrão.
Há uma secura nas vistas
De lágrimas iludidas pela mídia
E graças à toda sua perfídia
Se esgueira nos destroços da cegueira
Por sobre os caixões infantis
Do gueto de Gaza
Malditas sejam
As décadas de ardis.
Há uma secura no rio
Que vitima cetáceos
Antes velozes
E que agora parados por seus algozes
Negociam contratos sobre rios e bosques
Para que continuem seus ritos da morte
Secando as chuvas e dominando a sorte.
Há uma secura na alma
Das mentes que passam as telas
Que quando passo por elas
Não as reconheço, espelho embaçado
Que não avista o encontro amado
Que não limpa o reflexo tomado
De um ser que era vivo, de sonhos sonhados.
E não obstante a secura imposta
E mesmo com corpo seco em seu ar de vitória
Os olhos esperançam um caminho
Um riso, um gesto, carinho
Que amenizam a secura
Quem sabe surgir uma plântula
Que produza flores, frutos e folhas
Para uma mensagem futura?
Não promete o paraíso
Mas a sombra refrescante para os dias de luta.
Assim sendo, se há secura na estrada
Nós precisamos assobiar as nuvens.