Saudade de Ophir
já não tenho mais tanta certeza
das minhas quase certezas
já não sorrio mais tão facilmente
diante do que me fazia sorrir
respiro fundo e pisco forte
sob cada olhar de miséria
sob cada indelicadeza humana
sob cada traição
esse passar dos tempos
já não me contempla mais
quero voltar a ser macaco
voltar à selva verde
ao estado de inocência
porque da selva cinza eu me cansei
cansei do desamor de hoje em dia
do homem predador de si mesmo
predador das criações de deus
sinto saudade de épocas
de brincadeiras infantis em fim de tarde
época em que música era arte
em que se dançava quadrilha na rua
e amigos conversavam na calçada
não entendo para que tanta pressa
se não chegamos onde devemos
se somos capazes de criar
armas precisas e sofisticadas
mas não nos sensibilizamos
com o sofrimento alheio
estudamos e nos formamos
para nos tornarmos uns cretinos
diplomados e intelectualizados
elitizados e desempregados
nos julgamos modernos e evoluídos
porque temos uma boa tecnologia de comunicação
que usamos para propagar velhos valores
como o racismo e o machismo
que até hoje mantemos e legitimamos
abominamos o diferente
e discriminamos o desconhecido
vivo na esperança de encontrar a minha Ofir
minha terra prometida
onde os vizinhos ainda se cumprimentam
onde ainda há árvores de quintal
e há flores de jardim
onde os animais morrem de velhice
e as crianças são crianças
onde a velhice é respeitada
e os jovens sonham mudar o mundo
na minha terra prometida
o trabalho não é uma prisão
e a escola é libertadora
plantamos e colhemos
e bebemos água pura
no final do dia
sentamos em frente ao mar
para ver o mergulho do sol
e receber o sorriso da lua
que chega feliz
acompanhada por um mundo de estrelas
que vemos brilhar sobre o céu limpo
e voltamos para casa sem medo
porque confiamos uns nos outros