Arde o corpo do sol, brotam feixes de luz:

O que é a luz?

Sol que morreu.

 

Dardeja a luz, dardeja e pulveriza a fraga:

Vai nesse pó, que há-de ser terra,

A luz extinta.

 

Gerou a terra a seara verde:

Hastes e folhas da seara verde

Comeram terra.

 

A seara é grada, o trigo é loiro:

Deu trigo loiro,

Morrendo ela.

 

O trigo é pão, é carne e é sangue:

Sangue vermelho, carne vermelha,

Trigo defunto.

 

Em carne e em sangue, eis o desejo:

Vive o desejo,

De carne morta.

 

Arde o desejo, eis o pecado:

Que são pecados?

Desejos mortos.

 

Queima o pecado o pecador:

Nasceu a dor; findou na dor

Pecado e morte.

 

A alma branca, iluminada,

Transfigurada pela dor,

Essa não vai à sepultura

Porque é já Deus na criatura,

Porque é o Espírito, é o Amor.

 

Na vida vã da terra sepulcral

Só o amor é infinito e só ele é imortal.

 

Morreu a luz, pulverizando a fraga,

Morreu a poeira, alimentando a seara;

Morreu a seara, que gerou o trigo;

Morreu o trigo, que deu vida à carne;

Morreu a carne, que nutriu desejo;

Morreu desejo, que se fez pecado;

Morreu pecado, que floriu em dor;

Morreu a dor, para nascer o Amor!

 

E só o Amor na vida sepulcral

É infinito e é imortal!

 

Guerra Junqueiro, in 'Poesias Dispersas'