Vai declamando um cómico defunto,
Uma platêa ri, perdidamente,
Do bom jarreta… E há um odor no ambiente
A cripta e a pó, — do anacrónico assunto.
Muda o registo, eis uma barcarola:
Lírios, lírios, águas do rio, a lua…


Ante o Seu corpo o sonho meu flutua
Sobre um paul, — extática corola.
Muda outra vez: gorjeios, estribilhos
Dum clarim de oiro — o cheiro de junquilhos,
Vívido e agro! — tocando a alvorada…


Cessou. E, amorosa, a alma das cornetas
Quebrou-se agora orvalhada e velada.
Primavera. Manhã. Que eflúvio de violetas!

 

Repousam, fundos, sob a água plana.
E a vista sonda, reconstrui, compara.
Tantos naufrágios, perdições, destroços!


— Ó fulgida visão, linda mentira!
Róseas unhinhas que a maré partira…
Dentinhos que o vaivém desengastara…
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos…

 

Foi um dia de inúteis agonias.
Dia de sol, inundado de sol!…
Fulgiam nuas as espadas frias…
Dia de sol, inundado de sol!…
Foi um dia de falsas alegrias.


Dália a esfolhar-se, — o seu mole sorriso…
Voltavam os ranchos das romarias.
Dália a esfolhar-se, — o seu mole sorriso…
Dia impressível mais que os outros dias.


Tão lúcido… Tão pálido… Tão lúcido!…
Difuso de teoremas, de teorias…
O dia fútil mais que os outros dias!
Minuete de discretas ironias…


Tão lúcido… Tão pálido… Tão lúcido!…

Passou o outono já, já torna o frio…
— Outono de seu riso magoado.
Álgido inverno! Oblíquo o sol, gelado…
— O sol, e as águas límpidas do rio.


Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?


Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando…
Onde ides a correr, melancolias?


— E, refractadas, longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas e frias…

Quando voltei encontrei os meus passos
Ainda frescos sobre a húmida areia.


A fugitiva hora, reevoquei-a,
— Tão rediviva! nos meus olhos baços…
Olhos turvos de lágrimas contidas.


— Mesquinhos passos, porque doidejastes
Assim transviados, e depois tornastes
Ao ponto das primeiras despedidas?


Onde fostes sem tino, ao vento vário,
Em redor, como as aves num aviário,
Até que a asita fofa lhes faleça…
Toda essa extensa pista — para quê?


Se há-de vir apagar-vos a maré,
Com as do novo rasto que começa…

Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?


Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!…
Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
— Porque ides sem mim, não me levais?


Sem vós o que são os meus olhos abertos?
— O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos…


Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
— Estranha sombra em movimentos vãos.