Sonetos

Ergo um brinde farto à tarde insana,

com o seu inferno de nômades no saara

da cidade pobre e refém da grana,

cuja gana de lucrar jamais pára.

Há uma doença maior que nunca sara:

é a disfuncional existência humana!

É uma doença perigosa e cara,

cuja cura é fugir da turba insana.

Ergo um copo à possessa juventude,

nova demais para arder sem saída,

velha demais para adiar a virtude.

Ergo um copo a essa louca vida,

e quem quiser que busque a completude

num copo no Bar da Causa Perdida.

***

A vida, a vida é vaga e imprecisa

como uma folha livre na imensidão

vagando de lá pra cá pela brisa,

desconhecendo qualquer direção.

A vida é aberta e livre, não precisa

de vão apelo ou justificação,

e é só no abismo que se realiza,

o resto é medo, fuga, escravidão.

Essa folha no ar, perdida e incerta,

plana no espaço, dança no ar aflito,

abre a porta e encontra outra aberta.

A vida, ante o horizonte irrestrito,

sabe que só há uma coisa certa:

ser chave e abrir as portas do Infinito.

***

Eu sei que em nós a chaga arde, lateja

na carne, em seu tecido fugidio,

e que o ser vazio sempre deseja

se completar no seu próprio vazio.

Por isso bebe copos de cerveja

e ri alto no bar, e eu desconfio

que, ao beber, o seu próprio deserto enseja

e acaba seco como um extinto rio.

Pois essa chaga é pleura insaciável,

nos rói por dentro a distraída essência,

nos faz disfarçar, mas é indisfarçável.

É em nós, é em nós que arde a existência,

de uma forma louca e irremediável,

em copos de cerveja e de emergência.

Vagner Rossi

................................................................................................................................................................................................................

Sarauvirtual
Enviado por Sarauvirtual em 07/09/2023
Código do texto: T7879967
Classificação de conteúdo: seguro