Um prisioneiro de Carcosa
"Que desgraça quando até a poesia se cala e me deixa órfão do seu afeto.
O grito que entala no peito e não sai.
Mas, que merda!
Sou humano também.
Tenho direito a afeto.
Ao acolhimento.
A ter significado.
A querer ficar e partir.
A chegar e desfazer malas.
A querer lavar o rosto e sorrir para o espelho.
Que mazela ser assim!
Gerir e não parir.
Esperar a vinda do Vento e só encontrar calor.
Estou exausto!
Faltam-me abrigo, significado, vontade, presença.
Porém, desejos transbordam e nada acontece.
Enojado estou de mim.
Rabisco pontos, retas e semi-retas.
Vejo fatos e sou desencontros.
Levanto muros que desabam e me enterram.
Por tudo que é mais sagrado, estou enlouquecendo!
Vazio de amor e de ódio.
De querer. De estar. De sentir.
Sou um mármore ou humano?
Sou uma fera ou deus?
Sou uma vitória ou meu próprio infortúnio?
Pelos deuses, o que sou?
Que nada me aquece, me alimenta e sacia minha sede?
Um tecido rasgado e costurado; e, sem valor algum de troca.
Quero mais e menos ao mesmo tempo.
Quero ser sol e a lua.
Luz e trevas.
Lúcifer e Miguel.
Tudo ao mesmo tempo.
Em toda frequência possível e aceitável.
Em toda tonalidade vívida.
Quero ser aceito e deixado.
Abraçado e apartado.
Lembrado e esquecido.
Doído e sarado.
Uma semente e um jardim.
Digo que assim deve ser; mas, o que?
Como?
Por que?
Sou uma exclamação e logo uma interrogação.
Uma incógnita ambulante.
O certo e incerto.
Uma tragédia e festa.
Um deixado e por vir.
E, algo me arrasta para um túmulo escuro e vazio para dali ressurgir.
Teria em mim coragem para tal violência novamente?
Virar as costas para o mundo e me afirmar em mim e para mim?
Terei de novo força de potência necessária para navegar na jornada do herói e voltar com riquezas ocultas?
Ela me espera...
Ela grita meu nome...
Ela me observa na beirada do abismo de Carcosa...
E, lá vou eu; sem forças, fé, esperança, expectativa...
Dizer mais uma vez; eis-me aqui!"