Sábios de nada

Calvo de ideias, percorro os caminhos da razão

Me perco nas sombras e abraço a escuridão

Se busco a luz, já não há mais nenhum clarão

Como um vampiro exposto em holofotes, uma prisão.

Meus amigos me entendem, por isso tenho poucos

Nós dividimos o mesmo cálice de veneno, sempre loucos

Nossos pais acham que entendem, e negam até ficarem roucos

Mas tudo o que fazem é preencher o cálice, quando se esvazia.

O corpo está intacto, pleno, saudável e sereno

A mente, um caos, a entropia toma conta e desconta

Desconta a raiva nos que amo e o amor nos que odeio

Diante de tantos conflitos internos, uma guerra me espera lá fora.

Tenho medo dos que me amam, pois não sei o motivo

Tenho aversão ao prazer, pois não me acho digno

Quero poder ser feliz algum dia, mas acho improvável

Talvez em alguma outra vida, seria um alívio.

Por que Deus me fez assim? Ele queria castigar a quem, afinal?

Não lembro quando comecei de fato a pensar e refletir

Mas lembro que a cada vez que tentei, perdi algo ou alguém

Se nego a minha própria existência, como poderia não negar o Pai?

Uma palavra usada para se expressar machuca

Machuca a quem diz, machuca a quem ouve

Um sentimento incerto estocado no fundo do peito corrói

Corrói a quem sente, corrói a quem percebe.

Nos negamos o desprazer da tristeza, pintamos uma falsa felicidade

Nos censuramos da nossa própria natureza, envernizamos os pecados

Quando não nos convém o momento de fraqueza, com destreza

Fingimos ser fortes e resistentes, passamos tinta na ferrugem

E somos assim, imperfeitos sabichões, prisioneiros de si, sábios de nada.