Os objectos,
são meros brinquedos
para me distrair
da alma,
para me abster de senti-la
a toda a hora
esforçada
a doer.

Porque dói tanto a alma?

E brinco com as coisas
que os outros acham sérias
tolas
meras coisas efémeras
prazeresinhos
guloseimas emocionais.

Para mitigar a dor que mais dói,

eu brinco de administrar a casa
de cuidar da roupa
de enfeitar paredes
de jardinar os móveis
de dispersar jóias
e que se lixem as coisas!

Eu quero é matar a dor
da alma. A alma lhe chamo
porque não sei
que nome tenho!

Olham e acham que não penso
que não meço
que desperdiço...
Lérias!

Quadros, roupas, casas, fazendas,
são coisas.
E as coisas são objectos.
E os objectos brinquedos.

Não consigo envelhecer
e nunca na vida tive
brinquedos a sério,
como os outros.
Mas muitos, muitíssimos
brinquedos inventados!

Há os seres, claro,
mas esses...
são dos meus olhos os lagos
espelhos
onde espalho
meus brancos diamantes
do incontível amor.

Rebentaria de mim
se não pudesse acarinhar algo que
me reconhece
e me afirma diariamente
que estou viva.

A única brincadeira
que brinco a sério
é escrever
para me libertar de mim.
Mas se o não calo mais,
como calei,
vejo no olhar dos outros
que é feio
falar-se disso
mostrar-se isso
como dantes
não se falava de sexo
nem de como nascemos
e nos era obstinadamente exposto
como morremos!



Almada, 2000