Sonetos

Eu sei que em nós a chaga arde, lateja

na carne, em seu tecido fugidio,

e que o ser vazio sempre deseja

se completar no seu próprio vazio.

Por isso bebe copos de cerveja

e ri alto no bar, e eu desconfio

que, ao beber, o seu próprio deserto enseja

e acaba seco como um extinto rio.

Pois essa chaga é pleura insaciável,

nos rói por dentro a distraída essência,

nos faz disfarçar, mas é indisfarçável.

É em nós, é em nós que arde a existência,

de uma forma louca e irremediável,

em copos de cerveja e de emergência.

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Caído numa cama, sem saída,

escravo do desejo mais cruel,

gozo o inferno da carne envilecida,

ao mesmo tempo em que conquisto o Céu.

O meu desejo é chama destemida,

ele me torna um indefensável réu,

ao mesmo tempo me absorve a vida

do julgamento santo mais cruel.

Eu amo o corpo como a alma amo,

no corpo eu me completo, me refaço,

só no gozo a alma é pura, e eu proclamo

ser puro o que é da terra, não do espaço,

pois é no corpo que Deus, a quem conclamo,

goza o Divino e arde em mau pedaço.

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A vida é uma estação abandonada

onde treme a vertigem na passagem

do Ser, que, desconhecendo sua Morada,

vive partindo sem levar bagagem.

Pois desta vida não se leva nada,

embarca-se sem rota e com coragem

rumo à aventura astral, e de parada

em parada, recomeça outra viagem.

A vida é essa estação esparsa,

cheia de sombras ardendo na ânsia,

onde se vê lá na curva a fumaça

se apagando na trêmula distância,

e uma lágrima que um triste disfarça

viaja também dentro da lembrança.

Vagner Rossi
Enviado por Vagner Rossi em 17/10/2022
Código do texto: T7629413
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