Uns sobre os outros
Em tal momento em que vos escrevo, venho a suceder a conjetura; de um paraíso inexistente, tal qual que não penetraria em almas pequenas, esse que, escrito por fontes invulgares, é um dos mais requisitados em vida, em morte, em meio-aos-dois. Mas há também de ser um recanto, para os trágicos blasfemadores.
A madrugada se aproxima. Mansa, serena. Não como as ondas do mar, como uma tormenta turbulenta, presunçosa. No jardim das violetas um lugar, onde o vento sopra forte, ah, como sopra. Ali vê-se um palácio, coberto por um dissimulado orvalho, ingente, intocável. Abundante como o solo de outono, insolente como a estrela mais próxima, bem à frente.
Há de enfatizar as borboletas, de cores diversificadas, das mais belas, todas artes. As aves, as árvores, o sossego. Os barcos, as viagens, o desespero. Sou eu Deus nesse meio, ou um morto despojado, ou um espirito sem afago.
No remanso parei-me em Riacho, um tal lugar emplacado onde passavam-se um pingo de gansos, - Bem-humorados, no entanto. - Vi os apressados darem ré, levados pela calmaria- maré, de volta ao prévio-manto. E daí foi-se tiroteio disparatado, em que os tiros calados fizeram morada. Deram morte errada. Deram vida forçada. Dei por mim de findar. Uma escopeta carregada, oito tiros certeiros e uma morte confirmada. Em que os gritos soavam, e mais tiros eram dados, mais expedi, descarreguei, ofendi. Recorreu-me ali um alicerce do que eu realmente almejava, entabular nos queixos uma bala, retribuindo-me assim a pobre natureza de um cão inconsequente. Sobre os ouvidos das crianças escandalizou-se os estrondos, mas em que finda isto posto, quem saberá nos dizer.
E eis-me aqui a indagar-me onde enterraremos a todos, quando cá não mais haver solo. Eis que lhes digo sem receio, quando findar por fim todo o descabido malfeito, enterraremos os corpos alheios uns sobre os outros, numa cova rasa ou num profundo poço.