O LIVRO DO MEU PASSADO

“Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

(...)

Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem;

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo

Como páginas, meu ser.

(...)

Noto à margem do que li

O que julguei que senti.

Releio e digo: ‘Fui eu?

Deus sabe, porque o escreveu.” – Fernando Pessoa

“Invade-me a inquietação de saber-me estranho a mim e entendo a máxima de Agostinho: há em nós algo mais profundo do que nós mesmos” – Constantin Noica

Na tarde brumosa e calma,

Invade-me a alma

A inquietação de me saber

Estranho a mim mesmo

E de entender

Que há em mim

Eus mais profundos

Do que eu mesmo.

Não sei quantos sou.

Desconheço quantos eus tenho

Dentro de mim.

Às vezes não sei se sou eu

Ou se sou eles

E ao reler, com lágrimas na alma

E um sorriso nos lábios,

O livro do meu passado,

Recordo os sonhos que sonhei

E os sentimentos que senti

E me pergunto se fui eu mesmo

Que sonhei e que senti tudo isso

Ou se foram outros

Que em mim sonharam e sentiram...

Ah! será que de fato eu gostei disso?

Será que fui realmente aquele que leu aquele poema

E que o apreciou

Naquele doce tempo perdido

Que a chuva de lágrimas da saudade

Amargo tornou?

Ah! o que me importa saber se fui eu

Ou se foi outro dos muitos eus

Que em mim vivem ou viveram

Que sonhei ou que sonhou todos esses sonhos,

Que senti ou que sentiu todos esses sentimentos,

Que gostei ou que gostou disso ou daquilo

E que li ou que leu aquele poema

E que o apreciei ou apreciou

Naquele doce tempo perdido

Que a chuva de lágrimas da saudade

Amargo tornou?

Victor Emanuel Vilela Barbuy,

Campos do Jordão, 17 de julho de 2012.