Poética - Memento Mori
"A vida em sua frivolidade deitou-se em um abismo e deu à luz a duas gêmeas siamesas: a morte e a imortalidade,
ambas dividiam a dicotomia da mesma natureza misteriosa, mas a imortalidade sondava a finitude de sua irmã a fim de romper o drama intrínseco de suas almas."
Muitos eram os que fugiam da morte ou morriam bem antes de por ela serem consumidos, pois negavam essa vida em prol de uma imortalidade metafísica.
Eu, contudo, sabia que precisaria encarar a morte para tanger a imortalidade em sua forma mais pura, e por fim, abraçar a vida com todo o seu paradoxo (...)
No leito existencial, as covas dos meus olhos se enterravam em visões subterrâneas que somente as camadas do silêncio eram capazes de escavar.
Tentei manter a morte no horizonte da minha consciência para que das vistas a vida não me escapasse.
Em total procissão, a natureza morta dos objetos me observava no escuro do meu quarto enquanto a forma feminina me adentrava.
A imortalidade tocou-me em volúpia na finitude dos meus dias e materializou as minhas paixões ao mesmo tempo em que o meu corpo lentamente sucumbia.
Ao tragar os meus lábios, beijou minhas fraquezas e fez-me perpétua nas curvas do tempo.
Ah, em noites silentes quando crepitam as chamas fleumáticas da sobrevivência, a imortalidade vem sorver-me o néctar da alma.
Escorro das profundezas de mim e jorro em sua sede até que ela transcenda a minha carne e prolifere a minha essência.
Já com a garantia de que no lirismo de sua libido, ela me faria brevemente imortal em cada movimento eterno de minha vida.
Para ela escrevi as poesias mais víscerais como testamento de uma vida crua.
A imortalidade venceu a matéria, bebeu tudo em mim e largou-me flácida ao estender-me no tempo.
O solo podia velar os meus lábios
mas as minhas ideias rasgavam a matéria.
Mesmo que em mim eu já não viva, mas em outros.
Julgai-me sabendo que sufoquei o suicídio em minhas entranhas e fiz a imortalidade se apaixonar por mim em uma noite qualquer.
- Letícia Sales
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