Céu de Morfina
A noite finalmente veio, e nela posso repousar o meu peito aflito. Na sua escuridão de ceda estrelada posso calar os demônios que gritam no mar revolto do meu profundo Ser.
No silêncio místico de suas entranhas de mistério posso ouvir o mundo respirar, sentir o seu cansaço guardado de infinitas eras, respirar o sono que enche o mundo com suas areias que evocam os sonhos e despertam os pesadelos.
Meu coração, como se parasse num breve instante de eternidade, se liberta de sua pobre inércia e cai como uma pedra no fundo de um oceano boreal e estrelado.
Fecho os olhos, minha imaginação se enche de seus vapores, meus ouvidos, atentos, mal suportam essa muda canção que parece a voz da própria noite sunssurrada no vento.
Não há dor que me alcance nessas alturas harefeitas. Eu me disperso como um elemento que se funde, que se refugia na vida obscura e oculta dessas horas solitárias.
A noite, como um anjo de morfina, sobrevoa o mundo enquanto uma lua agonizante chora as horas que se vão, que morrem e retornam pacientemente para o seu núcleo.
A morte, vestida de sonho, como uma companheira silenciosa, sopra no meu ouvido palavras frias e ondulantes que se dispersam na vaga neblina dos sonhos.
O silêncio das trevas, o silêncio da vida, esse mutismo universal que cinge o mundo num abraço inexorável de esquecimento e reconfortante solidão.
Eu mesmo me torno silêncio, fluidez, aromas e incensos noturnos; e a escuridão de sangue e carne me devolve o seu olhar manso e felino, como uma flecha de sossego no meu coração desassossegado.
(Janielson Alves de Araújo)