AS LÍNGUAS QUENTES DOS DEMÔNIOS

— As línguas quentes dos demônios lambem meus ouvidos como as chamas trêmulas das fogueiras descontroladas de secos terrenos baldios no alto interior paulista;

— Os gravetos e as folhas tão, mas tão secos, desesperados por uma gota de água, mesmo que turva e inexata;

— Árvores sóbrias, sombrias árvores inebriadas, as árvores encurvadas sobre passos apressados;

— Anjos disfarçados de hipsters fumando cigarro barato e sorvendo fumaça em caracóis do tempo;

— Crianças nuas suplicando desalmadas;

— E a morte da inocência sobre a cama de dormir de um quarto numa rua escondida ao norte da cidade;

— A súbita lancinante percepção da morte e a realização da finitude da carne;

— Videntes lendo o futuro em palmas de mãos magras e descarnadas;

— A palavra de deus pintada em letras garrafais sobre o pórtico do prostíbulo enquanto santas se sentam incólumes na escada

— A minha morte, torpe, esparramada na estrada