Chama de existência
Falta-me um 'quê', tal qual 'quê' não sei dizer.
Não sei.
Se no ser,
no parecer,
ou ainda no saber.
E sem saber, o 'quê' que resta é o tal viver.
E há um contentamento descontente.
Não paixão, mas comodismo.
Que plantam dentro de gente, igual semente
e nos enraíza à beira de um abismo.
Mas não em mim.
Em mim cresceu cinismo
pelo pacato e ameno, é apático.
Quero explosão, quero chama.
Me chama para uma tragédia?
Chama! Me chama para uma euforia.
Um marco, um dislimite, uma mudança,
que cure o ordinário da retina.
Que pode-me a desgraça da rotina.
Quando criança, um anjo de asa quebrada
choramingou, rastejando na calçada:
"Vai menino, acredita!"
Acredita no quê?
No 'quê' que me faz falta?
No mundo de asas quebradas?
Ou em mim?
Que inté então, tão preso ao chão?
O chão é lápide.
É terra, terrífica, raiz do problema.
O círculo é algema.
Desajustada e sem medida, que alimenta.
O tempo é lâmina.
A ampulheta que amputa nossas asas.
Mas inda no chão, algemado e amputado.
Farei algo, como um poema.
Que me dê asas, grandes e brancas.
Que entregue-me meu 'quê' de completância.
Sem que o medo, e sem que
nenhum 'que' de outra instância, detenha-me.
Levo-me junto as asas, ao céu, ao sol,
Incêndio.
Imenso.
Intenso.
E apago-me,
no fim de Icarus.