Eu matei Bukowski
Vagando nas entranhas do meu ser
Estava o velho amargurado
Certas noites, ele me chamava pra beber
Enquanto lamentávamos dores do passado
Ele soltava o pássaro azul em seu peito
eu liberava o inverno do meu caderno
Um vento frio, uma ave, um olhar insatisfeito
Um casaco, uma gaiola, um lamento interno
O miserável clamava bordéis
Dependente do amor das acompanhantes
Disse-me vagar entre os motéis
Suplicando migalhas das pagas amantes
Eu tão vazio por dentro
Procurava me preencher
Fazia das amargas bebidas alimento
Me completava com aquele miserável ser
Eu já estava lotado de bagagens
E me arrastava com todo aquele peso
O velho ia recitando suas passagens
Me cativando com seu desprezo
E quando percebi, eu era o velho amargurado
Ou talvez o velho amargurado fosse eu
Seus murmúrios haviam me conquistado
E aos poucos me mergulhava no breu
E numa explosão de resquício de esperança
Trouxe a tona meu eu criança
E em seus olhos havia decepção
Ao mesmo tempo que me estendia a mão
Eu agarrei meu menino sonhador
E fui separado do velho amargurado
Ele murmurava versos de dor
E tentava me puxar pro seu lado
Olhei em seus olhos tristonhos
E falei, tu és passado
Ele gritou versos medonhos
Mas permaneci intocado
Eu me ajoelhei e rezei meus versos
E aquela assombração foi exorcizada
Joguei as bagagens na estrada
Abracei meu menino, vi seus universos
O velho desprezível que me habitava
Jaz enterrado
Dei fim ao poeta azedo que me cativava
Eu matei meu bukowski, o velho amargurado