Eu matei Bukowski

Vagando nas entranhas do meu ser

Estava o velho amargurado

Certas noites, ele me chamava pra beber

Enquanto lamentávamos dores do passado

Ele soltava o pássaro azul em seu peito

eu liberava o inverno do meu caderno

Um vento frio, uma ave, um olhar insatisfeito

Um casaco, uma gaiola, um lamento interno

O miserável clamava bordéis

Dependente do amor das acompanhantes

Disse-me vagar entre os motéis

Suplicando migalhas das pagas amantes

Eu tão vazio por dentro

Procurava me preencher

Fazia das amargas bebidas alimento

Me completava com aquele miserável ser

Eu já estava lotado de bagagens

E me arrastava com todo aquele peso

O velho ia recitando suas passagens

Me cativando com seu desprezo

E quando percebi, eu era o velho amargurado

Ou talvez o velho amargurado fosse eu

Seus murmúrios haviam me conquistado

E aos poucos me mergulhava no breu

E numa explosão de resquício de esperança

Trouxe a tona meu eu criança

E em seus olhos havia decepção

Ao mesmo tempo que me estendia a mão

Eu agarrei meu menino sonhador

E fui separado do velho amargurado

Ele murmurava versos de dor

E tentava me puxar pro seu lado

Olhei em seus olhos tristonhos

E falei, tu és passado

Ele gritou versos medonhos

Mas permaneci intocado

Eu me ajoelhei e rezei meus versos

E aquela assombração foi exorcizada

Joguei as bagagens na estrada

Abracei meu menino, vi seus universos

O velho desprezível que me habitava

Jaz enterrado

Dei fim ao poeta azedo que me cativava

Eu matei meu bukowski, o velho amargurado

R J Ferreira
Enviado por R J Ferreira em 29/05/2021
Reeditado em 31/05/2021
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