QUANDO AINDA ERA POSSÍVEL...
Só chegar de longe para
sentir o perfume das bolachas de baunilha.
Quando era possível abrir mão
Do último bolinho de chuva...
Quando era possível respirar o momento profundo
no todo perfume das flores...
Quando era possível sorver nos alvéolos
o sumo das laranjas pelos ares.
E se encantar com as bolinhas coloridas
das plantações de café.
Quando era possível desafiar a sorte
prometida dentre tantos malmequeres.
Quando era possível escalar os galhos e ter dor de barriga
por se empanturrar com o pó verde dos jatobás.
Quando era possível
respirar puro ar e tocar os pés na chuva em correntes de enxurradas.
Quando era possível mergulhar nas cachoeiras...
Sem ter medo das pedras.
Quando era possível a magia
Dos realejos soando as promessas do possível nas praças.
Quando era possível se
abraçar nos abraços que enlaçam as almas.
Quando era possível sovar os pães e saciar as fomes
Com a força das próprias mãos.
Quando era possível tocar os corpos
sem medo das cinzas dos nadas.
Quando era possível o carinho de mãe sempre
recém servido no café quente e forte após o almoço.
Quando era possível tocar os olhos da lealdade
do amigo que se foi...sem deveras ser.
Quando era possível
escolher o sabor da bola de sorvete.
Quando era possível acreditar
que o bolo cresceria apenas com a receita certa.
Quando era possível eternizar em
toda bolinha de sabão a ilusão das transparências.
Quando era possível a cegueira
de não enxergar o que mata em silêncio dentre toda gritaria.
Quando era possível gritar nos silêncios...
e ser ouvido.
Quando era possível sonhar
com o voo dos anjos pelos céus.
Quando era possível carregar o ventre grávido
De ilusões para todo o sempre.
Quando era possível cantar todas as canções
Com o peito aberto às verdades.
Quando era possível bater palmas para o dobrar do sino da igreja
Sem aperceber a zombaria do tempo indo...indo...indo...
Quando era possível acreditar que na Ciência, na Matemática e nas Letras estariam todas as soluções para um mundo insolúvel.
Quando era possível acreditar
nas vozes em prol das vidas.
Quando era impossível ler a falsidade dos olhos
E traduzir as falácias das gargantas.
Quão impossível era tocar o mal, quando...
Quando tudo isso era possível.
Quando ter o oxigênio mais puro em vida
Era só acreditar no poema.
Quando impossível era fazer versos possíveis
só para decantar na poesia
as já futuras e tantas impossibilidades.