Alegoria: a memória histórica em um fantasma
Alastor lembrara-se vagamente do seu corpo vivo, tão decrépito e esmagado pelo peso das
décadas; matéria das contrações, guerras e fogueiras.
Sua aneurisma o enchia,
Tinha um coração patológico afundando nas batidas da movediça introspecção dos desejos.
Alastor era a areia fina e traiçoeira da nossa espécie.
Era a cárdia pulverizada dos séculos, pois tudo afundava em seus grãos.
Sua pele era enrugada, e contorcida por todas as deformidades que carregara em sua alma
plástica.
Sua dentadura era manchada pelo tártaro.
Alastor ainda lembrara-se em lapsos da figura medonha e ríspida que avistara através dos
anos:
Um velho,
um corpo errante, excomungado da consciência humana.
Um aborto da memória coletiva.
Sua autópsia revelara enigmas cancerígenos e apodrecidos pelo tempo: todos enterrados
prematuramente no desespero.
Alastor agora é um fantasma que apaixona-se pela vida após inflamar-se na morte.
Espectro febril e colérico que ainda sente o absurdo enquanto atravessa eras e flutua sob
ruínas glaciais.
Lembra -se vagamente de quando era vivo e de como a humanidade o matou, atravessando
uma estaca em seu coração de aço, até então impenetrável.
Como um morto pode sentir o mundo em suas têmporas com tamanha transparência?
Tudo o invade e penetra suas entranhas de vapor.
Alastor reflete o futuro em sua forma vil.
Ele é vaporizado em anatomias nubladas.
Alastor carece de um coração e por vezes atravessa vidas humanas apenas para sentir batidas
e respirações asmais.
Ninguém o vê pairar e voar entre eras.
Somos tolos,
a matéria das memórias putresce na mortalha.
Mas a alma das coisas é real e escorre entre colinas, abraçando o que não podemos enxergar.
Ouça: Alastor está a sussurrar tudo o que tentamos enterrar.
Sinta seu êxtase
Ele está fora de tudo o que tocamos,
fora de si mesmo.
A morte nem sempre é real.
Ora, eu sou Alastor
Agora tudo atravessa-me sem que eu sangre
Sou uma aparição morta, e deslocada em minha obsessão pela vida.
Forma extraviada.
Falo em minha própria voz que apossou-se do mundo.
Encontre-me dentro de ti.
Quando sentir um flashback sombrio, serei eu o elástico passando em suas lembranças.
Já não estranho minha essência sem corpo dialético.
Assombro-te quando me negas, e apaixono-me por sua respiração vibrante.
Queria estar vivo para não precisar te assombrar.
Ao menos ter a matéria em meu leito e não escapar ao toque.
Queria ser humanamente palpável para que o horrendo passado não retornasse tão
deteriorado.
Oh céus, foram eles que me assassinaram, mas a história não morre!