Ranho
Olhos vermelhos, tensão e fúria incompreendida. A língua passava perdida repetidas vezes nos lábios secos. Soltou:
_ Você não pode me amar!
Encarei aquele olhar com serenidade. Pensei em dizer o que posso ou não. Mas o que ele conhecia de amor? Correlacionado a "poder", trocar, esperar algo, conceito cultural de materializar, possuir ou seja lá mais o que... Respondi apenas:
_Diga a um passarinho que ele não pode cantar ou voar!
Silêncio.
Tomei um gole de café que desceu pelando a garganta. Não havia e nem fazia sentido esperar diante do que compreendo o amar. Deixei o resto de pó na xícara, a borra do futuro não me interessava. Me bastava o ranho que não engoli da explicação que jamais lhe daria e naquela mesa nem caberia.
O amor o acompanharia ainda que não soubesse e nem da forma que reconheceria. Levou seu "não pode" feito rugas na testa.
Nessa altura, eu já estava longe e sabia o que podia. Levei meu "eu posso" num sorriso que me permitia.
Meu amar não é posse,
é essência!
Amar não é para quem pode,
é para quem sabe (e sente).