Ranho

Olhos vermelhos, tensão e fúria incompreendida. A língua passava perdida repetidas vezes nos lábios secos. Soltou:

_ Você não pode me amar!

Encarei aquele olhar com serenidade. Pensei em dizer o que posso ou não. Mas o que ele conhecia de amor? Correlacionado a "poder", trocar, esperar algo, conceito cultural de materializar, possuir ou seja lá mais o que... Respondi apenas:

_Diga a um passarinho que ele não pode cantar ou voar!

Silêncio.

Tomei um gole de café que desceu pelando a garganta. Não havia e nem fazia sentido esperar diante do que compreendo o amar. Deixei o resto de pó na xícara, a borra do futuro não me interessava. Me bastava o ranho que não engoli da explicação que jamais lhe daria e naquela mesa nem caberia.

O amor o acompanharia ainda que não soubesse e nem da forma que reconheceria. Levou seu "não pode" feito rugas na testa.

Nessa altura, eu já estava longe e sabia o que podia. Levei meu "eu posso" num sorriso que me permitia.

Meu amar não é posse,

é essência!

Amar não é para quem pode,

é para quem sabe (e sente).

Michele Valverde
Enviado por Michele Valverde em 05/12/2020
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