A canção do fim

Eu, a canção do fim.

Na melodia ácida escorro sob os becos do silêncio.

Meu som testifica a degradação oca,

o suor das vozes abafadas no desperdício do vazio lacrado.

Bombardeio o escuro num véu, numa mortalha,

E enquanto transmuto,

causo asfixia no amor,

aperto as glândulas melódicas de qualquer som que se sobressaía.

Sou mais alta.

Inflamada.

Hipersônica.

Sou a canção do fim.

Sou a jiboia taciturna que rasteja em si mesma e aperta as vidas presas no silêncio.

Sou súbita, constituída por peles miocárdicas.

Bombeio os excessos invisíveis.

Faço tímpanos escorrerem na sangria.

Ninguém é surdo até que me ouça.

Sou a harmonia fúnebre.

E Cronos hipnotiza-se ao meu som e devora a si mesmo,

pois ele é apenas um canibal marcado pelas sintonias da fatalidade.

Enquanto o tempo sufoca em seu próprio estômago áspero.

Envolvo-te em um abraço apertado e aminoácido.

Afundo-te nas sombras do meu coração indeciso, mas sempre preciso em suas batidas.

Procuro em ti algum resquício de perspectiva,

mas vejo que já me aguardava nesse beco vazio,

Com esse amor mesquinho.

Essa pele opaca e esse silêncio em convulsão;

contorcendo na escuridão.

Lamento ter que estrangular tuas artimanhas.

Sou solitária.

Evasiva e tocada apenas no fim e pelas mãos do fim.

Quando me escutar e em teu abraço me envolver, saiba que tudo isso irá terminar.

Sou o prenúncio do colapso interno.

Sufoco os perigos antes que gritem;

espero que não me ouça, mas sinta meus acordes nas funduras do teu ser.

Espero ser a eutanásia lírica

que abraça apenas a matéria débil, o contexto que definha e a relação esfacelada.

Espero ser aquela que explode a dor em uma melodia enquanto a mesma sucumbe.

Espero aplicar-me no que já é efêmero e rasteja na imundice pútrida.

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 25/10/2020
Reeditado em 30/12/2021
Código do texto: T7096063
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