Além do tempo
Pudera eu escrever sobre o azul do céu,
Sobre o canto dos pássaros, ou
A beleza do luar nas noites quentes.
Quem me dera, saber expressar a alegria
De despertar para a vida e nela saber
Para onde ir e o que fazer.
Ai de mim, se meus olhos pudessem ver
E traduzir todas as coisas boas que ocorrem
À minha volta em palavras,
E que eu conseguisse agradecer
Por ser quem sou.
Não sei, porém, quem sou eu,
Nem vejo as coisas boas, mas todas as ruins.
A maior parte do tempo,
Divido-me entre o que fazer
E para onde ir, sem saber,
Ao certo, se estou feliz por ter acordado.
Não há céu, nem canto de pássaros,
Não há motivos que não o puro instinto.
E eu escrevo sobre o vazio,
Questiono as paixões,
Dou forma aos sentimentos.
Tento, eu, divagar nos campos da hipótese
E questionar o porquê de sermos assim.
O porquê de eu ser assim…
E se eu pudesse escurecer o dia, mesmo
Que só um pouco, eu o faria.
Traria a noite e correria atrás do dia,
Para então fugir dele novamente e
E esconder-me na vasta escuridão
Do meu ser.
Se outros cantam as dádivas da vida,
Eu bebo todos os dias um pouco de veneno.
Só, para assim, sentir o sabor
Daquela que é o destino que todos compartilhamos;
Entoxico-me com as ideias erradas,
Arrisco-me na lâmina dos prazeres.
E eu escrevo.
Escrevo minhas fantasias entrelaçadas
À uma realidade tangível,
Uma realidade inventada, vivida.
Eu escrevo para dar voz aos mundos decadentes,
Dentro de mim.
Mundos que nascem e morrem sem ver a luz.
Eu escrevo para assombrar, atormentar e
Tirar da minh'alma o demônio
Que me rasga por dentro,
Que me instiga a morrer.
Eu escrevo porque são nas linhas
Que eu posso viver além da vida,
Além do tempo.