Reflexão matinal
O sentido foi se esvaindo aos poucos. Quando me dei conta, percebi que o que outrora era uma aspiração em minha vida passou a ser motivo de extrema agitação e asco. Um incômodo tão manifesto que me questiono como poderia eu já ter me afeiçoado por coisas tão supérfluas e ignóbeis. E se eu faço uma análise mais minuciosa numa retrospectiva temporal, me vejo destituído, deslegitimado: pouco a pouco fui deixando ir cada sentimento bom no que concerne aos objetos possíveis de satisfazer um ideal de felicidade. E por mais que muita gente reconheça o carater ilusório dos ideais, penso que nem todos colocam a si mesmo, a própria identidade, em xeque, acolhendo a angústia do processo e uma morte simbólica da existência feliz, ao se debruçar sobre a desilusão da vida, ao voltar o olhar à incerteza, à voluptuosidade dos instantes e à mentira descarada dos romances. Somos atravessados, em um certo momento da vida, por um questionamento, uma fratura, um curto circuito no pensamento, que vai denunciando a construção imaginária de uma vida; o produto disso, quando explorado pela pessoa, é se desancorar desses sentidos que um dia foram atribuídos por ele e fizeram um alicerce. O resultado acaba por ser uma flutuação constante, um pessimismo crônico e uma oscilação de humor patológico nos moldes da normalidade da cultura que se julga civilizada.