Um longo caminho
Múltiplas feições ofuscadas em vertigem
confrontam-se à minha frente no retraimento das ruas desertas.
Eu mesmo nem me reconheço ao pervagar entre tantas pernas
que viajam apressadamente até o destino final.
Sem rastros de uma perspectiva – miséria, alienação, culpa, negligência... São partituras fictícias no ritmo da cidade, elas deixam de existir
quando passamos desacordados sob o muro intacto.
Reparo nos traços que voam,
minha face consternada acompanha
os retoques da lenta paralisação.
Uma causa sem objetivos,
é tudo que tenho, sou e posso lhes oferecer.
Já faz muito tempo que slogans existenciais imperam
na rocha do arquétipo mental. Não mais...
Se o fado da taquicardia constante for realmente este
prefiro ocupar-me
com o minuto imediato, o minuto que se apresenta em pequenos sustos.
Sentar num lugar ao sol, ter um lugar ao sol.
Respirar profunda e conscientemente
as coisas da natureza.
Ser o ruído tímido que a abóboda celeste sopra ao norte.
Me presenciarão sempre pela metade,
ao menos uma parte minha estará voando por aí:
nas asas de uma estrela,
caçando piolho no cabelo das nuvens.
Darei atenção às tuas palavras, mas manterei as minhas comigo.
Cada um guarda seu segredo da maneira que melhor lhe convém:
alguns revelam na primeira conversa,
outros escondem até a pungência da morte.
Pensando bem, é uma lição de matemática que serve pra vida toda.
Compensa mais ter menos.
Poucos amigos, poucas ambições, poucos desejos.
Só preciso do pão e da chuva pra tornar verdadeiro
o mito findado em papéis antigos.
Deve ser mais fácil viver desse jeito:
gastando pele e memória só com o que vale a pena
ser lembrado.