REPENTE
No martelo de castelos encontrados
As mocinhas se apaixonam por heróis
Os soldados são guerreiros conformados
E os médicos vivem do que dói
Na esperança de um futuro de florestas
Eu escrevo estes versos como quem reza
Nos galopes de um feirante agitado
Vou vendendo os meus troços de agonia
Pois se o que vejo é um retrato
De miséria, de doença, gritaria
Só posso cantar o meu tempo de tristeza
Como quem leva uma punhalada de incertezas
No repente de um contador estropiado
O meu verso é aleijado, feio e corvo
Sou frustrado por não cantar de improviso
Sou mais torto que joelho de torno
Minha cabeça me dói o fígado
Sou impotente sonhando ser bígamo
Mas se mostro como um doido
O mundo é meu hospício
Vejo cada cantor desafinado e rouco
Cada poema via-crúcis de suplício
Então, sigo torto e descamisado
Mas sabendo-me imperfeito ante o sagrado
Quem reconhece os defeitos e não muda
É como um cego que jura enxergar
Eu prefiro ter dinheiro de bermuda
Que de paletó não ter o que gostas
Nesta vida de aparências e lucros
Meus pecados eu pagarei com juros
A cantoria me faz homem alerta
Aos corruptos, ladrões e difamadores
Pois eu mesmo estou nesta cesta
A gente é tudo um balaio de amadores
Tentando ser bom, indo na igreja
E dando esmola pra que ninguém nos apedreje.